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Artigo de Opinião

HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA

18/08/2023 08:00

Fui, recentemente, ao Palácio de São Lourenço à abertura de uma exposição de pintura da autoria da nossa conterrânea Filipa Venâncio. Gostei bastante das obras ali presentes pela mestria com que estão executadas e pela originalidade de haver nelas uma interferência dos próprios espaços e objetos do palácio. Ver a exposição pode ser uma excelente variante, em tempo de férias, e uma oportunidade para visitar o palácio e conhecer um pouco sobre ele.

O Palácio de São Lourenço é uma presença tão familiar que quase nem reparamos nele. Ou então vemo-lo como um monumento, uma fortaleza de que nos orgulhamos, mas não como sítio onde nos lembremos de poder entrar. Uma pena. Até porque tem havido a preocupação para cativar os cidadãos, oferecendo-nos a oportunidade de assistir a vários eventos no seu interior: concertos, palestras ou exposições, como é o caso da que acima referi. Bons momentos, alguns dos quais tenho, com agrado, usufruído.

Para mim, o Palácio de São Lourenço é também lugar de memórias. A primeira vez que lá entrei foi durante o ano letivo 1973-74. Era eu finalista do curso liceal — setimanista, como então se dizia. Tal como ainda acontece, os finalistas escolhem uma madrinha e a nossa foi a dona Maria Anna Passanha, esposa do, à época, Governador-civil da Madeira, António Braamcamp Sobral. Figura marcante que, com bonomia e bom humor, sempre acompanhou a esposa como se fora ele, também, nosso padrinho.

Logo no dia da bênção das capas fomos ao palácio e alcandorámo-nos, bem comprimidos uns contra os outros, pelas escadarias do pátio exterior para a foto de grupo com a sorridente madrinha.

Nesse tempo, para além de estar presente na cerimónia da bênção das capas e no baile de gala, era costume a madrinha agraciar os afilhados com um convívio. Ora, foi nessa circunstância que eu e todos os meus colegas, vestidos a rigor e com a capa negra sobre os ombros, voltámos ao Palácio de São Lourenço. Os nossos anfitriões vieram receber-nos, com toda a simpatia, ao pátio exterior. Depois, fomos conduzidos através dos salões onde nos aguardava um opíparo lanche. Para anular a natural parcimónia de visitante, que sentíamos, o governador terminou a sua saudação de boas-vindas, dizendo: "Proponho-vos agora um desafio: se conseguirem comer tudo o que aqui está, ganham vocês, se não o fizerem, ganho eu." A gargalhada geral quebrou o gelo e dedicámo-nos, com apetite juvenil, às iguarias sobre as mesas. No final, os vencedores do desafio foram os donos da casa, que, durante todo o tempo, circularam pela sala, conversando connosco.

Terminado o repasto, no jardim interior, esperava-nos a atuação de uma banda pop, que ali viera para nos entreter com algumas canções em voga.

Na hora da despedida, de um, em um, alinhámos em fila para cumprimentar a madrinha; um desfile lento de beijos e apertos de mão, registados pelas câmaras dos fotógrafos profissionais que acorriam a todos estes eventos e a cujas lojas rumávamos em bando nos dias consecutivos.

Em fevereiro de 1974, o Governador Braamcamp Sobral pediu a sua exoneração e o casal deixou a ilha. Uma delegação de finalistas acompanhou os nossos padrinhos na hora do embarque, levando o adeus e o carinho de todos nós, que nos quisemos perpetuar nas suas memórias, oferecendo-lhes um álbum com alguns dos registos mais marcantes dos momentos vividos juntos.

Regressámos ao nosso dia a dia de estudantes, sem suspeitar que, dois meses depois, chegaria um abril diferente, que toda a nossa realidade se alteraria, ou que o Palácio de São Lourenço viria a ser palco para acontecimentos inimaginados.

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