Para algumas pessoas estar vivo implica experimentar, partilhar, aprender e evoluir constantemente, arriscando, aqui e ali, perder conforto, o que lhes é familiar, ou até mesmo a vida biológica. Para estas pessoas, estar vivo não é apenas o contrário de estar morto, mas efectivamente viver. Para estes malucos, viver é estímulo, movimento, evolução.
A outros para estar vivo basta respirar. Pedem pouco da vida, limitando-se a não levantar ondas ou arriscar além do necessário para sobreviver. É uma visão, ou uma escolha, tão válida como a primeira. De qualquer das formas, o risco está sempre lá; estar vivo é perigoso.
Aquele que arrisca conforto e segurança agora, hoje, no imediato, corre um sério risco de os perder, de falhar, de ser negativamente avaliado pelos seus pares sociais. Por outro lado, cresce, aprende com os erros, avalia melhor os seus pares, as suas relações sociais. Evolui, porque, à partida, evita repetir aquilo que considera que o levou a falhar; e ainda assim pode estar errado e falhar de novo. Mas continua, insiste, e, a cada passo em falso, fica mais perto da recompensa que procura — que pode nem chegar, já que a vida pode ser apenas um valente pontapé no assento. Não sabemos. Enquanto não tentarmos viver, não sabemos até onde podemos levar o facto de estarmos vivos; de que sucessos somos capazes.
Viver é desconfortável. Mesmo os mais sortudos entre nós sentem falta de algo; andamos todos insatisfeitos até a hora da morte. Há quem lide bem com isso, há quem não lide de todo. Desde aquele que não precisa de muito, ao que quer tudo, todos somos atormentados por uma pequena angústia que não nos larga, seja esta de origem material, sentimental ou espiritual. Aos pequenos momentos de felicidade, de satisfação plena, segue-se a inevitável pergunta: "e agora"?
Depois vem a morte, essa inevitabilidade que, apesar de tudo, pode ser um incentivo. Não que seja um objectivo, mas por ser um prazo fatalmente indefinido que, por ser imprevisível, nos dá ânimo extra para fazer uso realmente proveitoso do percurso. Todos a tememos, senão não nos manteríamos vivos. Uns temê-la-ão acima de tudo, ao ponto de se esconderem da arriscada vida. Outros, por acreditarem que ela não é, efectivamente, o fim, ou por acreditarem que, por ser inevitável, não vale a pena estar a contar os minutos, a prolongá-los como plasticina, em vez de aproveitar a vida que ainda resta até lá.
Viver a morte dos outros será uma das piores angústias, parte daquele sofrimento que compõe a vida, ali de mãos dadas com a ligação ao outro, com a procura do sucesso (que será o que cada um quiser) e os fugazes momentos de plenitude. Na morte do outro, além de realizarmos a inevitabilidade da nossa, agravamos a consciência da sua finalidade absoluta: aquele que ali nos deixa, não volta. E somos tomados por uma angústia que tem tanto de egoísta como de empática, por mais paradoxal possa parecer. Sofremos porque o outro já não sonha — mas também não sofre — e porque nós perdemos, em definitivo e sem volta a dar, quase tudo o que aquele outro nos dava com a sua presença, com a sua vida. Ficam-nos as memórias, os exemplos, os ensinamentos.
A vida é finita e acidentada: é preciso coragem para a enfrentar.