Donald Trump foi eleito presidente, com maioria no Senado e na Câmara dos Representantes. Se juntarmos o Supremo Tribunal, percebemos agora que garantiu um poder quase absoluto.
Coloca-se uma questão nada nova, mas bastante atual: o voto é suficiente para termos uma democracia? E irremediavelmente vem à colação o livro “Como morrem as democracias” de Levitsky e Ziblatt. O tempo de militares a tomarem o poder pela força e a implantarem uma ditadura está a desaparecer. É a própria sociedade civil que está a matar lenta e intencionalmente o sistema democrático, entregando o poder aos autoritaristas e achando que será fácil retirá-los de lá. Parte deste panorama enquadra-se perfeitamente nos 4 princípios que Levitsky apresenta como indicadores de que se está a caminhar para o crepúsculo da democracia:
1. Rejeitar as normas do jogo democrático, atacando as instituições que constituem a democracia e defendendo a sua eliminação. Veja-se o que diz o partido dos 50 deputados sobre a Assembleia da República (AR) e a Assembleia Legislativa da Madeira (ALRAM), bem como sobre o trabalho das e dos deputados que para lá foram eleitos. Atente-se no denegrir constante da política e das suas instituições. Repare-se nos insultos ao Presidente da República, ao 1º Ministro e a outras figuras máximas da Nação;
2. Tolerar a violência e usar o discurso de ódio. Lembremo-nos de vários desses deputados apelando à violência da polícia sobre cidadãos de outras etnias e origens. O apelo constante à violência contra quem pensa diferente. As ofensas constantes às deputadas que não pertencem à sua bancada.
3. Negar a legitimidade de vários partidos que fazem parte da nossa democracia, associando-os a ideias de terrorismo e legitimando o discurso de ódio contra eles.
4. Defender a ideia de acabar com as liberdades civis de adversários políticos, retirando-lhes a legitimidade democrática que a sua eleição representa e considerando-os inimigos da nação.
O voto é suficiente para termos uma democracia? Não, mas é essencial na democracia liberal. Pode, contudo, dar cobertura a processos autoritários. Hitler chegou ao poder através do voto. Hugo Chávez também. E muitas das pessoas que votaram neles não prestaram atenção aos sinais que lhes foram sendo dados.
A redução dos problemas complexos a coisas simples e fáceis de resolver, as redes sociais e os algoritmos estimulam a propagação de notícias falsas e condicionam o pensamento de quem lê e reflete cada vez menos. E não ajudam na construção de uma cultura democrática.
A pobreza, o desemprego, a falta de habitação, o viver em constante competição com o outro promove os autoritarismos e a queda da democracia. Se queremos defendê-la temos de levantar as nossas vozes e ações contra as de quem pretende implodi-la. Temos de perceber e valorizar a importância dos partidos políticos democráticos. Temos de perceber que a ausência de conflito não é democracia. O conflito de ideias é gerador de novas soluções que ajudam no desenvolvimento das sociedades. Temos de unir esforços. Temos de perceber que os nossos adversários políticos não são nossos inimigos, que há princípios comuns e que podemos encontrar pontes para nos unirmos. Temos de abdicar da ideia de que se não formos nós a ganhar a luta política, então preferimos dar os trunfos a quem não é democrata. Temos de pôr em prática a nossa cultura democrática, por mais difícil e trabalhoso que seja. Essa é a responsabilidade de cada uma e de cada um de nós que se considera amante da liberdade, da diversidade, do respeito, da igualdade de oportunidades, da democracia.