Filipe Câmara, presidente do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, defendeu, esta manhã, um “debate sério” sobre os instrumentos e legislação processual.
O juiz falava à margem de uma audiência com Ireneu Barreto, representante da República para a Região Autónoma da Madeira, que recebeu, esta manhã, no Palácio de São Lourenço, os juízes presidentes das Comarcas Portuguesas.
Na ocasião, Ireneu Barreto, que durante muitos anos foi juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, começou por realçar o facto de sempre lhe ter custado ver que Portugal era “sistematicamente condenado” por não respeitar a liberdade de imprensa, mas reconhece que o país está agora num bom caminho.
“Hoje em dia os nossos tribunais já conhecem jurisprudência de Estrasburgo, já tentam aplicá-la, mas muitas vezes nem sempre da melhor maneira. Por isso, ainda hoje temos condenações de Portugal porque não se respeitou a liberdade de imprensa”, apontou, deixando um apelo aos juízes presentes.
“Tanto quanto lhes for possível, tentem compreender a jurisprudência dos tribunais. Não sei se, através de algum colóquio, convidando mesmo alguém de Estrasburgo para vir cá dialogar connosco, para que se consiga, sempre que for possível, que haja uma harmonia entre a jurisprudência de Estrasburgo e a jurisprudência dos nossos tribunais”, reforçou.
Questionado sobre o desafio lançado pelo juiz conselheiro, Filipe Câmara reconheceu que é “sempre difícil conciliar o tempo da justiça”, lembrando a falta de funcionários judiciais, edifícios e magistrados, atentando ainda o facto de haver juízes a acumular funções.
“O que era exceção passou a ser uma regra. Há comarcas que têm 20/30/40 por cento de juízes a acumular funções, porque nós temos os quadros deficitários e o número de processos e complexidade dos mesmos também, às vezes, não nos permite responder com tempo”, observou, afirmando que há ainda outras questões, como a da liberdade de imprensa, para as quais não estão tão sensíveis para abordá-las e decidi-la, pelo que “qualquer tipo de formação” seria “excelente”.
Limitar “abusos”
Na ocasião, Filipe Câmara lembrou ainda o facto de os juízes serem “sistematicamente condenados” pelo tempo da justiça. “Ainda esta semana tivemos uma decisão em que os juízes desembargadores pronunciaram-se sobre uma situação a dizer que estava a ser uma utilização abusiva do processo. E, se é abusiva do processo, é porque é permitido. A Lei permite que se use aquele expediente processual, mas é utilizado de forma abusiva. E que tal limitarmos estes abusos legalmente?”, questiona, defendendo um debate sério sobre os instrumentos e legislação processual.
“Portanto, eu percebo que nós, juízes, tenhamos dificuldades em lidar com o volume processual e com a complexidade, mas também se não tivermos instrumentos de trabalho que nos permitam ser mais céleres vamos andar sempre aqui neste jogo de ‘tu tens culpa’”, indica.
“Greves diminuíram”
Já sobre como avalia as constantes greves dos funcionários judiciais, o juiz realçou o facto de as paralisações terem “diminuído”, mas, no que toca especificamente à Madeira afirma que tem “sempre o mesmo grupo” de funcionários em greve.
“Se as pessoas reivindicam direitos que não lhes são reconhecidos, são legitimados a fazer a greve. Agora, nós andamos há anos a tentar completar quadros e não conseguimos”, referiu , acrescentando que, em conversa com as juízas de Lisboa Norte e Lisboa Oeste, lhe foi transmitido que têm 35% de défice de funcionários.
“Agora eu pergunto: um indivíduo que entre hoje para os quadros do Ministério da Justiça, se não for de Lisboa, quanto é que ele vai ganhar e quanto é que vai pagar por uma renda? Nós podíamos partir para um concurso localizados”, disse, defendendo que é preciso parar e pensar que condições vão dar às pessoas que vão entrar agora.