Uma semana após as inundações em Valência, Espanha, não param as queixas sobre falhas nos avisos e assistência às populações, mas tanto o primeiro-ministro socialista como o presidente regional conservador querem deixar o apuramento de responsabilidades para depois.
“Eu não vou entrar em debates políticos porque aquilo de que precisam as pessoas agora é de uma resposta eficaz. Haverá tempo, tanto nas Cortes valencianas como no Congresso [parlamento de Espanha] de saber como melhorar os sistemas de proteção civil e onde estão as responsabilidades”, disse na terça-feira o primeiro-ministro, Pedro Sánchez.
Sánchez realçou que há neste momento no terreno “uma situação de emergência, com a necessidade de articular respostas urgentes” e “o debate” sobre “negligências, erros ou melhorias” deve ser feito “noutra fase”.
A região de Valência foi atingida por um temporal na terça-feira passada, ao final da tarde. Eram 20:10 quando chegou aos telemóveis um alerta escrito, mas nesse momento já havia localidades e estradas alagadas com milhares de carros presos nas águas.
O alerta chegou às 20:10, mas havia um aviso vermelho da meteorologia desde as 07:31 desse dia. A responsabilidade do envio dos alertas cabe às autoridades autonómicas (neste caso, a Comunidade Valenciana), enquanto os serviços meteorológicos são estatais.
O alerta tão tardio é uma das principais queixas e questões colocadas na última semana, mas não a única. Há também protestos pela demora na chegada de assistência às populações após as cheias.
Neste momento, estão no terreno cerca de 15.000 militares e elementos das forças de segurança do Estado, mas foram chegando pouco a pouco, com o maior reforço a ter ocorrido só no fim de semana.
Estes meios são enviados pelo Governo central, mas tem de ser o executivo regional a pedi-los, por serem as autoridades autonómicas a terem a tutela do comando das operações no terreno. E é aqui que tem havido também algumas trocas de acusações, declarações contraditórias e várias críticas.
O principal foco das críticas está a ser o executivo regional, do Partido Popular (PP) e liderado pelo presidente Carlos Mazón, que poderia elevar o nível de emergência e assim passar o comando das operações no terreno para as autoridades nacionais.
Mas também o Governo de Espanha poderia aprovar unilateralmente uma declaração de “emergência nacional” ou de “estado de alarme” e automaticamente assumir o controlo das operações, substituindo as autoridades autonómicas.
Perante as queixas e algumas declarações de Mazón, é isto mesmo que têm pedido a Sánchez partidos políticos de esquerda, que defendem que há uma incapacidade já comprovada por factos do governo regional valenciano na gestão da crise.
Mas foi também, e de forma surpreendente, o que defendeu o líder nacional do PP, Alberto Núñez Feijóo, na segunda-feira, quando considerou que a dimensão da catástrofe justifica a declaração de “emergência nacional”, numa declaração vista como de responsabilização do executivo de Sánchez, mas também de desautorização de Carlos Mazón.
Mazón respondeu às críticas em duas entrevistas na segunda-feira de manhã, mas acabou por ser desmentido.
Nessas entrevistas, afirmou que ativou um pedido de ajuda à Unidade Militar de Emergências (UME) às 13:21 de terça-feira e que a partir daí as Forças Armadas podiam mobilizar os meios que entendessem e avançar para o terreno sem mais indicações ou autorizações do poder político.
Foi neste ponto desmentido pelo tenente general que lidera a UME e todo o dispositivo militar que está agora em Valência, Javier Marcos, e pela ministra da Defesa, Margarita Robles, que aconselhou Mazón “a dedicar-se a coordenar adequadamente aquilo que está a acontecer”.
Mazón queixou-se ainda de alegados “avisos hidrológicos” desativados pela confederação hidrológica da região durante a tarde de terça-feira e foi desmentido pelo Ministério do Ambiente, que explicou que aquela entidade não emite avisos, só transmite informações sobre caudais de rios quando superam determinados níveis, como provam ‘emails’ que foram entretanto tornados públicos.
Foi depois destas entrevistas que Feijóo fez uma declaração a pedir o “estado de emergência” ao Governo central, a quem ofereceu apoio nessa e outras decisões.
Mazón acabou o dia de segunda-feira a dizer aos jornalistas ser consciente de “toda a indignação” e da “raiva que existe” nas populações, mas que este é o momento de as administrações trabalharem em conjunto por soluções e respostas.
Na conferência de imprensa de terça-feira, Sánchez disse que cabe aos “analistas políticos” comentar as contradições e aparentes desentendimentos dentro do PP. E acabou a mostrar solidariedade com as autoridades autonómicas.
O primeiro-ministro lembrou que Espanha é um país descentralizado, totalmente organizado em autonomias, num sistema de “co-governança” que já deu provas de funcionar e ser capaz de responder a situações extremas, como aconteceu com a pandemia de covid-19.
Neste contexto, disse que não iria substituir a Comunidade Valenciana no comando das operações sem haver um pedido das autoridades autonómicas, invocando um “sentido comum de unidade” do país e o respeito institucional.
Sánchez argumentou ainda com “a eficácia”, considerando que uma mudança agora diminuiria o nível de resposta às populações, e sublinhou o trabalho “dia e noite” dos elementos da administração regional e local, que conhecem como ninguém o terreno.
“Todos somos Estado. E, portanto, o que temos de fazer é cooperar”, afirmou.