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Artigo de Opinião

12/10/2024 08:00

George Bernard Shaw afirmou que o maior pecado para com os nossos semelhantes não é odiá-los, é tratá-los com indiferença e que essa é a essência da desumanidade. Na verdade, se nos detivermos e analisarmos, ainda que perfunctoriamente, as actuais relações humanas cedo se concluirá que elas continuam a pautar-se por uma singular e profunda indiferença. À escala global a avidez capitalista, que se vangloria na Forbes, é inteiramente alheia à fome por que passam mais de 800 milhões de pessoas no mundo, sendo que uma é necessariamente corolário da outra. O mesmo estado de alma está presente na desumanização que as guerras constituem ao permitir encarar milhares de vidas de jovens adultos como meras baixas e números frios de conflitos bélicos humanamente incompreensíveis à luz dos conceitos hodiernos de diálogo, de mediação e de resolução pacífica dos diferendos.

Num plano mais restrito, das relações do quotidiano, parece ser pródiga a asserção de que as pessoas se estão verdadeiramente a borrifar umas para as outras. Ele é o infortúnio e a morte, longínquos se não nos baterem à porta, a solidariedade oca e exibicionista nas redes sociais, o alívio aconchegado de ser um outro a desfilar no cortejo fúnebre, enquanto descontraidamente se contam anedotas. Ele é a carência material que não incomoda na certeza de uma despensa farta e desperdiçada, o desemprego como número que não rala na segurança de um pecúlio certo. O desenrascanço, a ultrapassagem traiçoeira, o chico-espertismo, o comportamento selvagem na estrada, o recorrente acidente com fuga, denotam também um reles e profundo desprezo pelos outros. Acresce o alheamento cívico mesquinho de que tal não é problema meu, não é nada comigo, como se a porta de entrada dos outros não fosse fatalmente o espelho da nossa. A atitude impassível de que caberá a outrem dar resposta àquilo que nos passa indiferente e confortavelmente ao lado, quiçá àquela entidade abstracta e difusa que é o Estado interventivo ou às agremiações que parecem ocupar-se dessas coisas, ainda que manhosamente lhes subjazam outras finalidades. Tudo como se o Estado e a sua conformação não fosse ditada por nós e a humanidade não nos obrigasse à compaixão, à solidariedade, à indignação manifestada, à exigência do cumprimento de direitos, à felicidade humana geral. Em seu lugar assiste-se à coisificação dos outros, a uma espécie de mercantilização das relações humanas, o materialismo das interacções postuladas por um qualquer interesse ou vantagem, o sopesar calculista da aproximação social na medida em que isso possa trazer algum benefício ou utilidade, num cinismo instalado que já ninguém estranha ou sequer questiona. Ele é o amigo ou o familiar que prospera, se destaca ou com alguma forma de poder que convém ter por perto ou estar nas graças, para uma eventual necessidade ou jeitinho ou o correspondente interesse que se possa ter para ele, no veneno tácito de uma mútua conveniência.

Toda esta deriva social advém de uma profunda apatia e egoísmo pessoal, de um umbiguismo exacerbado movidos por uma avidez material, num clima de concorrência e predação em busca de uma qualquer fatia de poder ou singelamente pela necessidade de consolo e afirmação de egos carecidos, esquecendo que somos todos gente de carne e osso.

Se é verdade que quando se odeia o objecto odiado ainda tem alguma visibilidade e importância e alguma reacção pode provocar, a indiferença relega os outros para uma cruel e desumana insignificância contra a qual é inútil qualquer atitude ou acção. É urgente criar humanidade.

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