Foi argumento principal para as reivindicações autonómicas e para a concretização do princípio da subsidiariedade, a ideia de que o poder de decidir deve estar próximo das populações a quem se dirige. Pouco sentido faz que as questões das localidades tenham de ser decididas por um poder central, distante e acima de tudo desligado do problema.
Com a evolução tecnológica os poderes tornaram-se menos distantes e os problemas cada vez menos circunscritos à localidade. Pensar na pandemia e nos recentes incêndios serve de exemplo para provar que não há distâncias nem capacidades locais que justifiquem exatamente o mesmo modelo que nos animou nas últimas décadas. Será, como tenho vindo a defender, extremamente necessário repensar as responsabilidades locais, regionais, nacionais e europeias neste novo Mundo com soluções concertadas e mais aptas a debelar as situações de necessidade.
Mas a minha questão hoje é outra e tem a ver com a objetividade e imparcialidade que se exige ao exercício de poder. Cada vez mais reconhece-se que o poder público tem uma intervenção crescente na sociedade e na economia e isso obriga ao rigoroso cumprimento de procedimentos que assegurem o tratamento por igual. Os apelos e as imposições nesta matéria têm-nos chegado pela via da União Europeia e não raras vezes temos assistido a penalizações e advertências pelo incumprimento dessas regras.
Recentemente as notícias de investigações do Ministério Público também indiciam essa preocupação em salvaguardar a objetividade da decisão, suspeitando de quem encontrou expedientes para as ultrapassar.
Questiono a este respeito se a proximidade não será um fator a pesar nestas situações. Outrora tão invocada hoje parece revelar um lado menos positivo que nos condiciona a capacidade de decidir.
Mas será necessariamente negativo olharmos para a proximidade como um mal quando temos de decidir?
O facto de conhecermos os prestadores de serviço, de sabermos das suas capacidades e das suas realizações não deveria também contar quando escolhemos uma nova parceria? O facto de aqui exercerem a sua atividade económica, de aqui darem emprego a muitas pessoas, de conhecerem o meio, não deveria ser um critério de avaliação quando temos de decidir?
As últimas orientações da União Europeia, preocupada com o desemprego e a deslocalização das pessoas, deram pistas sobre isso que infelizmente não soubemos aproveitar. As questões ambientais também reforçam a necessidade de que na hora de decidir o conhecimento do desempenho de quem escolhermos é muito importante.
É certo que a proximidade pode viciar e condicionar. Infelizmente são situações que vimos retratadas ou de que vamos tendo conhecimento que podem pôr em dúvida a imparcialidade de um poder mais próximo. O desafio, porém, será encontrar regras que separem o trigo do joio, que, acautelando o interesse público e defendendo a imparcialidade, olhem também às circunstâncias locais, às nossas idiossincrasias.
A proximidade não tem que ser motivo de nos envergonharmos ou de nos condicionar. Deve, num quadro regulamentar exigente, mas possível, permitir as melhores decisões.
Haja vontade.
Ricardo Vieira escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.