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Artigo de Opinião

Psiquiatra

6/08/2024 08:00

Em Portugal, utilizamos a expressão de sermos um país de brandos costumes e também, de dificuldade em aceitar regras. Estava a ler um artigo interessante do Público sobre a audição – “Os concertos estão a destruir os nossos ouvidos?” e deparei-me com esta conclusão: temos, em Portugal, muita dificuldade em aceitar a mudança, mesmo quando esta é para nossa proteção. Parar em passadeiras, colocar o cinto de segurança, não falar ao telemóvel... são meros exemplos, mas que mostram a dificuldade nacional em aceitar a inevitável mudança.

No meu caso, tenho muita sensibilidade, até dolorosa, a sons altos. Por isso, o texto não me surpreendeu. Para mim é inacreditável que exista resistência em usar tampões auditivos desenhados para concertos, visto ser essencial a proteção auditiva. Não consigo compreender como em profissões como a construção, as pessoas não se protegem. Mas em profissões que dependem de uma boa saúde auditiva? É inacreditável sujeitarem-se à destruição do órgão com que ganham a vida.

E para quem vai aproveitar para se divertir e apreciar concertos, festas? Honestamente já não é aceitável sujeitarmo-nos à destruição auditiva. Neste texto que recomendo a leitura, dizem que na Alemanha, em concertos com dBA acima de 95, é obrigatório oferecerem tampões auditivos. Eu uso os loop earplugs e fiquei fã. Oiço a música com muita qualidade, com vários dBA a menos.

Voltamos sempre aos mesmos temas, como é que é possível as pessoas festejarem a destruição da sua saúde? Psicologicamente é fácil compreender, a procura pela distração e “desligar o cérebro” é mais importante. Afinal, o volume alto é para isso que serve. Não ouvimos com mais qualidade aos berros, do que em volume médio. Serve apenas para desligar o cérebro, que é isso que todos procuramos com maior ou menor frequência. Seja no álcool, drogas, jogos, redes sociais, música, séries, filmes, leitura... utilizamos tantas estratégias diferentes para desligar um pouco (ou muito) o nosso cérebro. O problema é quando fazemos disto hábito. Desligar um pouco para descansar não é problemático, mas o marketing do mundo ocidental quer que gastemos o nosso tempo e dinheiro nas estratégias de fuga e assim, vamos assistir à destruição social e do ambiente, num dos nossos momentos de fuga emocional.

Perguntamo-nos cada vez mais porque é que parece que o tempo rende cada vez menos? Porque é que parece que os dias passam a voar? É simples, distraímo-nos cada vez mais e tomamos cada vez menos atenção ao presente. Se não prestarmos atenção, não criamos memórias e depois olhamos para trás e o tempo parece que se esfumou. Se vivermos todos os dias uma vida igual, com poucas alterações, também não criamos memórias. O cérebro grava a rotina toda no mesmo lugar e digamos que não se esforça muito para a guardar. Assim, entre distrações e rotinas, passamos uma grande parte da vida sem dar por ela.

Para mim, estas são das explicações mais importantes para compreender a degradação cultural e social que se vem a arrastar. Não há lutas por valores sociais, por mudanças construtivas. Lutamos para tentar sair da miséria de ordenados e tentar ter casa, mas o resultado... continuamos no mesmo caminho. Enquanto os ordenados não forem justos e com subidas mínimas com o valor da inflação anual, será sempre injusto. Como é que os arrendamentos podem subir no valor da inflação, mas os ordenados não são obrigados ao mesmo? Parece que estamos condenados a ficar sem casa.

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