Inauguramos o mundo com um choro. É assim a nossa primeira manifestação da vida. Choramos porque retirados de um lugar protegido, choramos do ar a entrar nos pulmões pela primeira vez, choramos a inaugurar a vida que começa.
Esse primeiro movimento será repetido vezes sem conta pela vida fora, pelas mais diversas razões: nem todas por tristeza, nem todas por surpresa e nem todas com razão.
Vamos chorar quando caímos e esfolamos os joelhos, vamos chorar porque não queremos dormir, vamos chorar pelos pesadelos, pelo escuro, pelos desenhos animados e pelas histórias tristes. Vamos chorar porque o cão morreu no fim. Vamos chorar pelo final feliz, vamos chorar perante a beleza e também perante a perda e fealdade.
Há quem chore quando os filhos nascem, primeiro vínculo que liga duas vidas que se conhecem e que iniciam um caminho em conjunto. Há quem chore na vitória e quem chore na derrota.
Há quem chore quando o sol se põe e quando nasce. Há quem não detenha o choro perante espetáculo infinito da natureza.
Choramos todos quando nos dói por dentro ou por fora, e choramos todos quando a alegria não pode apenas ser expressa pela simplicidade do sorriso.
O choro, seja por que razão for, é um mecanismo que exige muito mais músculos, muito mais movimentos e muitos mais fluídos. É preciso um maior esforço e uma arte maior para chorar.
O choro é matéria complexa em nós, é coisa ambígua. Ninguém ri de tristeza, mas todos já choramos de alegria.
O choro nasce de uma parte profunda em nós, de um instrumento que mede a intensidade do que estamos a sentir e, como matéria complexa, expressa-se em toda a ambiguidade das coisas realmente importantes no mundo.
Talvez por isso, ninguém chegue aqui, à vida, num riso despegado, mas todos chegamos aqui envoltos num choro sonoro e desesperado.
É preciso aprender a chorar nos momentos certos, pesar as coisas importantes e dar-lhes a intensidade devida. Só o choro, na sua complexidade, parece expressar com eficácia a matéria do mundo e de nós mesmos.
Chora nos momentos certos! É uma boa máxima, ou pode ser também uma coisa natural em nós, como nascer. Talvez a única coisa natural em nós, a única que não aprendemos por ser a primeira coisa que fazemos. Nunca a vimos antes, nunca a testamos antes, mas fazêmo-la logo tão bem e tão sonoramente.