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Artigo de Opinião

Psiquiatra

7/01/2025 08:00

Nestes dias aproveitei para ver o documentário da vida do Avicii. Recomendo, não só pela compreensão da genialidade musical e revolução que ele produziu na música, como também para o breve olhar da sua humanidade. É óbvio que este tipo de documentários não nos mostram os aspetos mais profundos da pessoa, mas contam-nos uma história, pela mão dos outros, amigos, família, registos de vários tipos, mas não a compreensão direta do ser humano em questão. É como se víssemos o mundo através de um espelho partido. Cada pessoa vê através de um desses fragmentos a pessoa original e é através dos vários olhares, que conseguimos reconstruir um pouco da imagem real.

A carreira dele foi explosiva. A velocidade com que cresceu de publicações online de músicas, para espetáculos e recordes, é incrível. É a dedicação e ambição não apenas de uma pessoa, mas de um conjunto de pessoas que acreditam num projeto e o fazem voar. Avicii, juntamente com os seus amigos e colegas, deu o salto que tantos sonham dar. Passar de uma “cave”, para os maiores palcos do mundo.

Durante vários anos esteve sempre a criar músicas que ficarão na história da música, esteve em palco, em digressões, em festas, sempre sem parar. E como tantos outros, a fúria criativa, não é infinita. Aos poucos, apareceram várias barreiras que lhe foram difíceis de ultrapassar. A ansiedade e fobia de desempenho conduziram-no ao álcool. As barreiras seguintes foram a fama, a sobrecarga e a máquina industrial da música. A pressão de desempenhar, de aparecer e estar sempre “on”, levou-o pelo caminho da exaustão profunda, mantendo o álcool e depois comprimidos para as dores pelas várias complicações de saúde que sofreu. Foi um caminho intenso e infelizmente curto, acabando por morrer aos 28 anos.

Este trajeto juntamente com outros documentários sobre o consumismo e a destruição planetária geral, faz-me imaginar a humanidade, como uma enorme boca devoradora, imparável que come tudo sem pensar, deixando um rasto de destruição sem igual. Pensemos nas grandes estrelas musicais. Quem é que devolveu o seu bilhete a pedir para o artista descansar e parar, para poder apreciar apenas no ano seguinte o seu espetáculo? Existe uma fome que parece cada vez maior de ver os artistas a desempenharem ao vivo. A mesma fome para adquirir produtos, para viajar e adquirir mais momentos para as redes sociais. É preocupante o número de telemóveis a gravar os mesmos eventos. Vemos os eventos pelo ecrã, mesmo ao vivo...

Para os grandes, os pedidos devem ser intermináveis, as exigências sem fim. E é como se diz, quem não aparece é esquecido. Ou pelo menos fazem-nos sentir isso. É preciso continuarmos a falar das condições de trabalho de quem trabalha nestes trabalhos culturais / criativos. É preciso regular a indústria, mas sobretudo compreendermos, como humanidade, que não podemos apenas pagar pelo trabalho final, mas precisamos de suportar os custos do processo criativo, mesmo que ele não dê os frutos esperados. Podemos falar da saúde mental e de como é bom ter limites e equilibrar a vida e o trabalho, se as pessoas não se podem sustentar quando estão a trabalhar? Se somos obrigados a apresentar resultados, como pode o processo criativo não gerar pressão? Se os direitos de autor e o retorno económico é tão desproporcional, como evitar os espetáculos ao vivo? E se querem ser convidados para espetáculos, como recusar?

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