Muito se tem falado da violência e do sofrimento causado por esta. Também muito se tem falado da saúde mental, sobretudo das doenças mentais e as suas consequências para a vida das pessoas. A importância de procurarmos ajuda psicológica e psiquiátrica para conseguirmos ultrapassar as mais variadas doenças.
No entanto, pouco falamos das consequências dos eventos realmente negativos, do impacto que eles têm não só na saúde mental, como no resto da saúde física. O que falamos ainda menos, são as consequências de tudo isto para os nossos comportamentos e interações sociais. Por exemplo, porque é que uma pessoa paralisa quando outra começa a gritar? Porque é que uma pessoa grita quando algo foge ao seu controlo?
Para compreendermos o que se passa com as pessoas e muitas vezes connosco próprios, precisamos de compreender o que vivemos, o nosso passado. Grande parte da explicação do nosso comportamento como adultos reside no que nos aconteceu como crianças e adolescentes. Gostamos de acreditar que somos livres para decidir o que fazemos, mas infelizmente não temos muita liberdade. Os nossos traumas, genética, educação, eventos, ... determinam grande parte da nossa reação, da nossa personalidade e pouco fica livre para a determinação racional do nosso comportamento.
Hoje chamo a atenção para o conceito de desesperança aprendida. É algo que considero muito importante e mostra-nos como um evento traumático ou a sua repetição pode condicionar-nos para a vida. O conceito surgiu no século passado com o estudo do comportamento animal. Quando o animal é colocado numa posição em que sente que é impossível sobreviver, desiste de lutar pela vida. Não escolhe morrer, mas também deixa de se defender. Depois do evento(s) que geraram este comportamento, ele volta a repetir-se com eventos de menor intensidade.
No comportamento humano, percebe-se com a ajuda deste conceito, que as vítimas de violência doméstica deixem de lutar e mantenham-se com os agressores, porque parte delas desistiu de sobreviver. Sentem que não têm a capacidade de enfrentar o agressor ou o resto do mundo. A recuperação deste estado é bem difícil e a saída da pessoa de uma relação de violência é bem mais complexa do que fugir. Sair da situação de violência é um passo importante, mas temos de aceitar que a pessoa pode voltar para trás várias vezes até conseguir abandonar a violência que lhe foi imposta. Familiares, amigos e técnicos muitas vezes desesperam com este “vai e vem” de decisões. Assim, considero fundamental a compreensão que a vivência da violência intensa modifica o nosso cérebro de uma forma tão primordial que a pessoa deixa de conseguir reagir como esperado. Precisa de muito apoio, amor, terapia, segurança, ... para conseguir reconstruir-se. Sobretudo para não se colocar em novas relações com violência.
É neste sentido que precisamos de compreender conceitos como a desesperança aprendida. Já sabemos que ela modifica o comportamento, mas também modifica o resto do corpo. Há alterações hormonais no cortisol e adrenalina. Há alterações no sistema imunitário. Aumento de doenças cardiovasculares, obesidade. Todo o corpo sofre.
O sofrimento da violência não é só uma coisa do passado, pode persistir pela vida toda. Temos de modificar a nossa atitude com a vida, com os outros. Precisamos de humildade para podermos aprender e melhorarmos ao longo da vida. A violência existe muitas vezes disfarçada e cabe a todos transformarmo-nos para nos libertarmos da violência.