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Artigo de Opinião

8/10/2024 08:00

Há uma canção de Toydrum que conta com a colaboração de Nick Cave e Warren Ellis, a musicalidade, da mesma, situa-se no espectro dos álbuns mais minimalistas de Nick Cave and The Bad Seeds, ou seja, altura de Skeleton Tree, disco de 2016. A música, como todas elas que envolvem a dupla que é a força motora da banda australiana, é de uma beleza singular. A letra, cuidadosamente cravada. O título é deveras apelativo, “I’ve got a future”, em português de Camões, “Eu tenho um futuro”.

Acho que agora tenho de fazer um aparte, e dar algum contexto ao leitor. Esta música é a primeira que surge numa longa lista de canções, cuidadosamente selecionadas, em que me apoio muitas vezes para escrever, o que quer que seja. Hoje, neste primeiro domingo algo chuvoso do outono do ano da graça de 2024, fiz o que normalmente faço quando sinto que faltam as forças para lutar contra o mundo, digamos, ou seja, não será uma crónica política. Não falaremos neste espaço do genocídio e da guerra expansionista do Médio Oriente. Também não mencionarei a crescente onda, maior que aquelas da Nazaré, de xenofobia que assola atualmente Portugal. Ou do absolutismo do quer posso e mando, que nós madeirenses estamos habituados, nem da inoperância do maior partido da oposição. Hoje a crónica não é política, é filosófica, digamos.

Voltemos, pois então, ao início, o carregamento do botão “play”. A música começa a tocar, e os dedos começam a fluir, inicialmente fui atraído pelo carácter positivo que tomei à conta do título da canção, talvez sejam os quarenta a chegar, achei que era uma forma de esperança, ao fim e ao cabo terei um futuro, ou seja as noites continuarão a ser longas, os dias curtos, mas continuaremos por aqui, esta é a parte positiva da canção, aliás do que retiro da canção, porque as melhores canções são aquelas que cada um interpreta à sua maneira, não é sobre o ex-namorado, não é sobre dinheiro, ou fama, são pequenos pensamentos jogados em versos que misturados com música tornam-se em composições musicais que nos permitem ver mais do que é suposto, que nos permitem pensar, refletir.

Continuando a percorrer os, míseros, três minutos e vinte e quatro segundos, outro sentimento apodera-se de mim. Mas que raio de futuro terei? É a reviravolta que não estava à espera, algo saído de um filme do David Fincher, o que o futuro me dirá? Será que quero esse futuro? Aquela mistura de existencialismo e niilismo, com uma pitada de absurdismo, presente em mim começa a funcionar.

A ânsia de procurar algum significado para esse futuro, que terei, não toma conta de mim, e é algo estranho. Será que cheguei ao ponto de maturação em que o futuro é simplesmente, o futuro? Em que, invariavelmente, tudo o que faça para tentar encontrar significado, não satisfará esse futuro? Será que o futuro, é uma palavra que usamos para mascarar a vida? Ou estará mais perto da cenoura que serve para o burro carregar a carroça?

As histórias do futuro são sempre ficção. Nunca podemos escrever histórias de algo que não aconteceram. O futuro, em si, não aconteceu, não sabemos o que iremos enfrentar. Na realidade, é uma estupidez termos esperança para o futuro, porque não sabemos se o mesmo irá acontecer. A noção de tempo, é aqui por vezes introduzida de modo a confundir-nos com o futuro.

E num espaço de três minutos e vinte e quatro segundos, fico a pensar sobre o que será na realidade o futuro, não o que irá acontecer amanhã, na semana seguinte, ou daqui a dois anos, mas o que é o futuro.

Daqui até lá, ou neste caso, até ao próximo mês, procurarei, simplesmente, existir.

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