Toda a gente dizia que era um cantinho do céu, mas tinha dificuldade em compreender. Percebia que era bonito aquele mar a perder de vista, as Desertas ao fundo e aquelas inesquecíveis noites de luar. Mas as veredas que ainda eram pouco calcorreadas por estrangeiros nessa altura - já que nem sequer vinham em guias – eram apenas o caminho para ir à lenha ou às pinhas com a avó.
E o mar, que estava sempre ali em todo o lado para onde olhasse, era coisa de dias especiais. Ir ao calhau estava reservado àqueles domingos em que os pais podiam furtar umas horas ao trabalho da terra, que era coisa que nunca acabava. Então lá faziam o farnel com pão de casa da véspera – “nada como o banho para abrir o apetite à canalha” e iam a pé. Às vezes sempre aparecia uma boleia.
A praia das Fontes, para além de uma nascente de água doce e fresca que também era um luxo que à época ainda não compreendia, tinha um cheiro que nunca mais encontrou, nem quando esteve naquelas que se dizem as mais belas praias do Mundo. Era assim uma espécie de coentros misturados com água salgada, mas não se lembra de alguma vez ter visto a erva por ali. Era como a aromatizar os degraus intermináveis até aquele oásis, que estava sempre à vista, mas estava longe de ser para todos os dias, para quem vivia mais na serra que no mar. A subir era um suplício, mas nunca se pensava nisto a descer, quando o sol se pavoneava nas águas translúcidas.
Foi lá que aprendeu a nadar. Juntava-se sempre a quem sabia, já que os pais nunca tiveram tempo, nem disponibilidade para aprender a nadar, o que é bizarro para quem vivia numa ilha. Mais tarde ouviu histórias de pescadores que também nunca aprenderam, mas essa sensação de estranheza nunca passou. Um dia enrolou-se numa onda, cujo tamanho, e dada a ainda fresca desenvoltura em mar, ainda não recomendariam a tentativa de finta. Valeu-lhe a ajuda pronta de mão amiga. “É arisca a pequena, mas o mar está bravo não a deixe ir sozinha”. Nessa altura não havia bandeiras a dar conta da qualidade ou perigosidade da água. O único verde era o daquela paisagem estonteante, mais recortada vista do mar.
Não compreendia, porém, os epítetos que dedicavam aquele quadro vivo natural. E só anos mais tarde, numa praia das Caraíbas, das tais de postal, areia clara a perder de vista, palmeiras e mar de várias cores, como aquele onde aprendeu a nadar nas Fontes, é que percebeu. Quando chegou a uma parte que separava a praia dos hotéis da dos nativos, voltou à praia da sua infância e quase lhe sentiu o cheiro outra vez. De que nos serve o mar inteiro se não sabemos ou não podemos nadar?
Esta crónica faz parte do Livro Contos Insularados, da Tomba Livros, uma chancela da Editora d’Ideias.