A 27 de Fevereiro de 2021, escrevi aqui, no Jornal da Madeira, um artigo de opinião intitulado “O Paradoxal Paradoxo”. Nele me queixava da intolerância contra os intolerantes e do uso ignorante do Paradoxo da Intolerância como argumento para censurar, pela força, a intolerância alheia. Ler o paradoxo de Popper só até onde interessa, evitando a conclusão do mesmo, se não é ignorância é desonestidade intelectual. Mas sigamos em frente, que atrás vem gente.
André Ventura disse umas coisas no Parlamento que alguns, bastantes, ao que parece, interpretam como sendo xenofóbicas. Em vez de praticar a paciência do chinês, atiraram-se ao Presidente da Assembleia que se viu grego para explicar que a intolerância também se expressa quando se quer calar o intolerante. Diziam, os auto-proclamados arautos da tolerância, que era preciso praticar a censura naquele caso. Apenas naquele caso, claro, porque o Douto e infame deputado ofendeu alguém inespecífico que nem sei se se sentiu deveras ofendido. De qualquer das formas, houve ofensa e esta deve ser punida, nem que seja oferecendo ao ruidoso deputado, e ao seu partido unipessoal, mais votos dos descontentes da nação. É para aprenderem! Ainda vão ter de governar; vão ver o que custa! (Ai não é essa a intenção?)
Entretanto ouvi, enquanto conduzia de rádio ligado, alguém dizer que a liberdade de expressão não implica a ofensa. Errado: é exactamente isso que implica — é exactamente por isso que é discutida e defendida, para que o “sentir-se ofendido” não seja usado como desculpa para censurar; especialmente quando a ofensa é sentida por procuração não solicitada. Eu, por exemplo, defendo a liberdade de expressão para todos quantos já me chamaram de fascista (quando eu defendo menos Estado), de socialista (sim, já me insultaram com esta violência), ou de neoliberal (sem me explicarem bem o que quer dizer). Ou estes epítetos ignorantes, nocivos e absurdos (por esta ordem, se quiserem), não constituem ofensa digna da intolerância dos tolerantes de serviço? Quem decide que ofensa constitui uma barreira à tolerância? Karl Popper, o do paradoxo, diz que é a ameaça física, não palavras feias, discordâncias e muito menos ideologias de que não gostamos. Eu não gosto de comunismo, entre muitas outras coisas; devo exigir a sua censura? Não. Nunca. Antes defendo que ninguém seja censurado por divulgar ou defender tão abjecta ideologia (é a minha opinião, aguentem-se). Prefiro debatê-los, ou convencer terceiros a acompanhar-me na objecção a esta corrente ideológica.
Eu não nutro grande simpatia pelo André Ventura, nem tenho grande confiança no Chega. Qualquer partido cujo programa político implique mais Estado na minha vida, como é o caso, não me merece mais do que aversão. De qualquer das formas, enquanto não houver a ameaça efectiva da passagem da barreira da imposição pela força das ideias desconexas que tentam passar por ideologia, é preferível debater, rebater, ou até mesmo escarnecer deles, a censurá-los pela força. Querem censurá-los em casa? Mudem de canal à vontade; afastem as pessoas dos vossos círculos sociais; cortem relações com aquele tio que diz que no tempo do Estado-Novo é que era! Façam o que quiserem da vossa vida, mas não ilegalizem opiniões, ideias ou parvoíces.
Lembrem-se sempre: se forçarmos o abjecto a esconder-se, ele não deixa de existir nem de se espalhar. Antes existe sem sabermos, espalha-se sem o rebatermos e no fim, quando damos por isso, está-nos dentro de casa.