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Artigo de Opinião

Advogado

8/09/2024 04:00

FRANCIS FUKUYAMA, perplexo com a queda do muro de Berlim a 9 de novembro de 1989 (há quase 35 anos), perspetivou o “fim da história” ou melhor ainda a vitória da democracia liberal que estaria nesse momento consagrada como a única que levaria à evolução das sociedades.

A história, porém, não acabou e o próprio pensador veio a reconhecer mais tarde que a impotência da estrutura dos Estados tinha criado novos ou renovados problemas ao Mundo, em especial alicerçados nos extremismos e fundamentalismos. A nova guerra ideológica já não seria entre a democracia liberal e o totalitarismo, mas com os fundamentalismos ideológicos quer de natureza religiosa quer alicerçados em causas muito particulares (como o Woquismo).

Um recente estudo veio questionar porque crescem os partidos de extrema-direita numa Europa que há menos de cem anos saiu de uma devastadora guerra provocada por governantes de ideologia nacional-socialista ou fascista.

Será que afinal a democracia liberal não consegue satisfazer com acentuado grau de eficácia as necessidades e ambições das populações? Será que mesmo reconhecendo que nunca tivemos tão elevados graus de desenvolvimento humano, em especial nas sociedades dominadas pela democracia liberal, isso não é suficiente para o comum dos cidadãos que surpreendentemente adere em crescente número a expressões políticas radicais?

Grande parte dos políticos e dos comentadores reagem a essa realidade com uma convicta preocupação senão mesmo com uma ponta de pânico. Chamam à liça argumentos e cultores para que se criem barricadas capazes de impedir a ascensão desses extremismos. Alguns mesmo chegam a aventar soluções de ilegalização e de silenciamento desse tipo de expressões políticas.

Poucos refletem nas causas! Poucos reconhecem que é o abandono e até o receio de defender convictamente valores tradicionais das democracias que fez proliferar partidos extremistas. Há temas que os partidos tradicionais parecem ter medo de assumir, por calculismo de efeitos eleitorais ou de serem ostracizados pelos media que normalmente têm uma enorme sobranceria nessas questões.

A verdadeira consequência do tal “fim da história” não foi uma vitoria, mas foi mais a desvalorização ideológica em proveito de causas que hoje fundamentam em exclusivo as organizações políticas. Os grandes debates políticos deixaram de ser entre socialismo e liberalismo ou entre democracia cristã e social-democracia para passar a ser os temas da imigração, de certa criminalização, de questões de género e da proteção de animais!

Só que essa mudança de foco deixa desprotegida a essência ética da política, o conjunto de valores em que deve estar assente a sociedade.

Sirva de exemplo que recentemente deputadas do PS vieram pedir a regulamentação da lei da eutanásia ou o alargamento do prazo de conceção onde o aborto possa ser legal, realizado e pago pelos serviços públicos, questionando até o direito de objeção de consciência dos médicos ou a necessidade de um período de reflexão. As propostas são legitimas embora nos pareça que têm mais intuito provocatório do que atender a reais necessidades da população. Estranho é que do lado contrário poucos se manifestem e assumam com clareza a sua oposição a essas medidas.

Fica-nos a sensação de que há uma certa anestesia na linguagem e na comunicação quanto à defesa de valores fundamentais das democracias liberais, o primeiro dos quais é naturalmente a vida. Esquecendo que há a necessidade de uma pedagogia permanente a favor dos valores ocidentais, e que não há fastio nem fadiga que justifique o silêncio cúmplice perante ideias que querem ser “normalizadas”, os políticos deixam-nas proliferar como sendo as normais e as necessárias. Quase que dizendo “isso não me diz respeito” e por isso “não tenho de me pronunciar”, acovardam-se com medo de serem chamuscados na praça publica.

Receio bem que esteja neste alheamento grande parte da preocupante evolução das nossas sociedades, preocupadas com o imediato e com o singular e pouco substanciadas nos pilares da organização social.

Ricardo Vieira escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

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