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Artigo de Opinião

15/01/2024 08:00

Desconheço este túmulo feito ao meu corpo, esta cama que arde sob a escuridão de uma estrela a que chamo Deus, antes que o fogo me arrefeça. Os teus cabelos descansam sobre o fundo da minha cabeça, esse lugar de bichos e flores deitados sobre um corpo que procura enlouquecer em vez de chorar a morte do último crisântemo. Vês? A promessa acaba sempre por cumprir-nos, e a flagrância dessa terna constatação faz com que o mar suba de novo ao meu corpo e venha ferir-me com as suas escamas felinas, todo o amor sem remorsos, ali, unicamente a fome e o espanto perpétuo dos peixes mais profundos, estes que não sabem já procurar alimento e me mordem os dedos de uma só mão, um beijo de Deus até ao cimo dos ombros, a tua face na dele. Um só corpo, ou a sua mortal invocação.

Um dia, pude sonhar com um jardim no fundo do mar, os olhos penetrando o seu azul expirado, os braços da mulher derramada sobre a boca que a ergueu, salva pela intermitência da flor esquecida por dentro da pele, uma morte atrás de outra. Outra e a mesma.

Escrevo para que se aflore no princípio da mão o esquecimento, a chama transparente, a desolação que a vida proíbe, até que a palavra volte a ser corpo. Escrevo para que nenhum sentido desponte do escuro ou do frio, para que nenhuma pele se desvie do osso. A esperança é tudo quando temos, por fim, a convicção da inutilidade do gesto, do resto. Dentro do silêncio não nos movemos, a não ser para o mar e a sua infinita plenitude, como se o milagre fosse afinal o sal e as mãos jubilares do primeiro homem, a sua voz de animal renascente e abandonado sob a poalha de árvores inimagináveis.

É que a beleza vem do fundo que nos percorre ainda antes; no inexacto momento em que aprendemos que a felicidade não deriva da alegria, mas do espanto, da crisálida contra a terra, da escuridão do mar contra a mão desfalecida. Sonho com esse lugar onde o horror da alegria abre o mar pelo meu corpo, e, então, uma luz transviada vem adivinhar o passado para entrar uma última noite. Os meus olhos são agora lentos e altíssimos, como se me vissem amanhã, no jardim que semeio depois do mar.

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