Mark Cavendish tornou-se hoje o recordista de vitórias em etapas da Volta a França em bicicleta, deixando para trás o lendário ‘Canibal’ Eddy Merckx ao somar o 35.º triunfo na prova francesa, na quinta etapa da 111.ª edição.
Depois de adiar a reforma em um ano, ‘Cav’ viu recompensada a sua longevidade e espírito de sacrifício – na primeira etapa, passou um longo suplício para chegar dentro do controlo à meta -, superando agora a marca de Merckx, ‘inalcançável’ durante 49 anos.
Aos 39 anos, o corredor da Astana ‘renasceu’ mais uma vez, numa carreira de incontáveis regressos, e contrariou todas as probabilidades, impondo-se ao melhor sprinter do pelotão atual, o belga Jasper Philipsen, 13 anos mais novo, para reescrever a história da ‘Grande Boucle’.
Considerado o melhor sprinter da história, o ciclista da Ilha de Man esteve ‘acabado’ várias vezes, nomeadamente no ano passado: depois de anunciar que 2023 seria a sua última temporada, desistiu da Volta a França quando tentava o ‘assalto’ à 35.ª vitória, na sequência de uma queda na oitava etapa, na qual fraturou a clavícula.
Mas a ambição de ‘Sir’ Cavendish, a confiança da sua Astana e o apoio incondicional da sua numerosa família fizeram-no adiar a reforma, apenas e só para cumprir o sonho de isolar-se como recordista de etapas ganhas no Tour.
Este recorde solitário esteve prestes a acontecer há três anos: apenas nove meses depois de admitir, de olhar perdido e em lágrimas, que a Gent-Wevelgem poderia ter sido a sua última prova, foi convocado à última hora pela Deceuninck Quick-Step, ganhou quatro etapas e empatou com Merckx, considerado o melhor ciclista de sempre, mas ‘falhou’ o ansiado triunfo nos Campos Elísios.
Tudo começou para o britânico há 16 anos em Châteauroux: naquela tarde de 09 de julho de 2008, o então jovem ciclista da Team Columbia vivia o primeiro episódio de glória na corrida à qual, nas suas palavras, dedicou a vida, batendo os já retirados Oscar Freire e Erik Zabel.
A lenda de Cavendish continuou a crescer e, nessa segunda participação na Volta a França, o miúdo da Ilha de Man regressou a casa com quatro etapas, um número que haveria de superar no ano seguinte.
Entre as seis vitórias de 2009, destaca-se a primeira de quatro consecutivas na chegada do Tour aos Campos Elísios – foi o primeiro e único ciclista a fazê-lo -, a ‘cereja no topo do bolo’ daquela que foi a mais profícua das suas incursões na ‘Grande Boucle’.
Nas duas edições seguintes, ergueu os braços em cinco ocasiões, juntando-se ainda, em 2011, à festa dos vencedores, no pódio final, como vencedor da classificação por pontos, vestindo a camisola verde que uma década depois voltou a conquistar.
Apesar de ter voltado a triunfar nos Campos Elísios, 2012 não foi o melhor ano para ‘Cav’, ‘abandonado’ à sua sorte por uma Sky obcecada em tornar Bradley Wiggins o primeiro britânico a ganhar a Volta a França – a missão principal da equipa foi bem-sucedida, mas o ‘sprinter’ teve de contentar-se com ‘apenas’ três etapas.
A temporada seguinte, a inaugural da sua primeira passagem pela Quick-Step (então na versão Omega Pharma), foi ainda menos produtiva, com só dois triunfos, uma realidade que não conheceu melhorias em 2014, quando abandonou à segunda etapa, depois de cair na primeira.
Em 2015, conquistou o derradeiro triunfo na sua primeira passagem pela equipa belga, antes de mudar-se para a Dimension Data e de regressar a números mais redondos, com quatro etapas em 2016.
Seguiram-se quatro anos para esquecer no Tour: em 2017, foi derrubado por Peter Sagan no ‘sprint’ da quarta etapa e teve de abandonar, em 2018, fragilizado pelo vírus Epstein Barr, desistiu, e, nas duas edições seguintes, nem foi convocado pela Dimension Data e pela Bahrain-McLaren.
Assim, o eterno e distante recorde de Merckx, que perdurava desde 1975, parecia intocável, até deixar de o ser, quando ‘Cav’ se impôs pela quarta vez na 108.ª edição, em Carcassonne, no final dos 219,9 quilómetros da 13.ª etapa, e somou aquela vitória às celebradas na 10.ª, sexta e quarta.
“Seria bom que batesse o recorde, tendo em conta tudo o que passou nestes anos difíceis. Merece-o, é um grande campeão”, concedeu, então, um conformado Merckx, ‘acostumado’ finalmente à ideia de perder uma das marcas mais emblemáticos da sua carreira.
Aos 79 anos, o belga pode consolar-se com a ideia de que o britânico nunca alcançará, contudo, o seu registo em grandes Voltas, onde lidera o número de vitórias, com 64, num ranking no qual o homem da Ilha de Man é terceiro, com 55 (tem 17 no Giro e três na Vuelta, além das 35 no Tour), também atrás do já retirado sprinter italiano Mario Cipollini (57, 42 das quais no Giro).