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Artigo de Opinião

4/01/2025 06:00

Diria eu que a língua universal, a derradeira língua, aquela que nos une, independentemente de fronteiras, credos e diferenças, é o amor. E o amor confirma-se tão lato quanto a imensidão de gente a habitar o mundo. O amor instala-se em nós sem pedir, aconchegando-se em cada órgão do nosso corpo, conforme quem somos e a quem se dirige esse sentimento.

Talvez as mães e os pais sintam que o amor divide e desloca o coração para várias partes do corpo, as necessárias para cuidar de um filho: as mãos cuidadoras, o cérebro aguçado, as palavras conselheiras e a coragem destemida. Escreveu Gabriel Garcia Márquez, em Cem Anos de Solidão, relativamente a Úrsula Iguarán, personagem que representa um amor materno profundo, resiliente e multifacetado, que “Úrsula tinha a rara virtude de não se assustar com nada. (...) Ela cuidava dos filhos, da casa e dos negócios, enfrentando sozinha as dificuldades”. Esse amor que sentimos dos nossos pais, ou de quem cuida de nós, não vem, necessariamente, dos momentos mais elaborados ou das demonstrações mais eufóricas. Lembro-me perfeitamente de sentir que os meus pais me amavam sem limites quando, por altura do Natal, vestiam-nos os pijamas mais quentinhos e íamos no carro, pelas ruas do Funchal, ver a iluminação. Era naquele banco traseiro, soltos, risonhos e livres das atuais medidas de segurança, que eu sentia que os meus pais fariam qualquer coisa por nós. E é isso que eu desejo para todas as crianças do mundo: um colo para regressar sempre que necessário.

Talvez os apaixonados confirmem uma nuvem de borboletas no estômago e a tendência para o exagero. Tita, de Como Água para Chocolate, de Laura Esquivel, disse a Pedro que o que mais gostaria no mundo era que ele a agarrasse nos seus braços e lhe dissesse que a ama, que nunca mais a iria deixar. É isto que queremos todos, não é? Um amor à semelhança deste, uma paixão avassaladora, que nos transforma e transcende, um amor que apareça sem avisar e que nos vá alimentando diariamente.

Talvez os artistas partilhem a sensação líquida e morna que percorre as veias enquanto criam. Agonia e Êxtase, de Irving Stone, uma biografia romanceada de Michelangelo, retrata com profundidade o relacionamento intenso e obsessivo do artista relativamente à sua arte. É este amor visceral pelo que produzimos que nos leva a enfrentar toda a espécie de desafios para que continuemos a criar: um amor que se nutre na conceção, no alívio daquele parto.

E existem tantos outros amores. Ao longo da minha vida tenho tido momentos de epifania, de parar e pensar “Isto é amor, sem dúvida que é amor”, e nessa reflexão rápida, porém consciente, tenho-me garantido da minha humanidade, na conclusão absoluta de que nada me faltará se me sobrar o amor. A primeira vez que tive um frente-a-frente com esse impacto teria eu seis, sete anos, o meu irmão menos quatro. Ele estava doente e eu tentava distraí-lo das dores. A dado momento pensei “Se pudesse, ficava com a doença dele”. Era tão pequena e recordo-me perfeitamente de compreender que aquilo era amor. No meu livro, Vertigens, Anita e Ana Clara partilham uma amizade que literalmente as salva. O amor que me tem salvado muitas vezes. Tem sido nas mulheres da minha família e nas minhas amigas que tenho reconfigurado a minha alma de cada vez que me partem o interior; é com elas, nelas e por elas que não deito a cabeça, que elevo os olhos e caminho em frente.

O amor é eterno, independentemente do tempo que dure. Não deixemos de amar com medo que possa acabar ou pelos ses que surjam no caminho. Nada apaga as memórias, as sensações, o fluxo que impulsiona os nossos dias. Amar é o melhor que podemos fazer, ainda que tudo o resto falhe.

Desejo que em 2025 o amor seja a língua universal. Que, apesar das adversidades, amemos. Pessoas, momentos, livros, músicas, animais, objetos, lugares, natureza, a nós próprios.

O amor, sempre o amor.

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