A mão fez 80 anos. Assim, num ápice, assim como a vida a passar a correr. A mãe é bonita. A beleza não se destrói com os anos, nem com a vida por vezes dura, nem com as desilusões, nem com os filhos, um a um, a deixarem marcas no corpo bonito da mãe.
A beleza permanece lá, onde sempre existiu. A beleza sobrevive às perdas, ao trabalho, aos sonhos que se abandonam e aos que ainda sobrevivem.
A mãe continua bela como quando me ia buscar ao colégio e me fazia sentir orgulhosa com os elogios das amigas. Diziam o que estava à vista: que a mãe era bonita, que parecia tão mais jovem do que era.
A mãe chegava a casa e tinha todo o trabalho do mundo, todos os afazeres de uma casa pequena em dimensão, mas imensa no que crescia à volta. Os filhos, a mãe e a irmã sempre tão longe, o marido sempre a trabalhar, o gira-discos onde gostava de ouvir o Júlio Iglésias. A mãe mantinha o romantismo, a mãe lia fotonovelas e ouvia cantores românticos, mesmo que o romance tantas vezes falhasse a vida quotidiana e os dias aparentemente sem histórias de amor.
Às vezes, apetecia-me perguntar à mãe pelo amor, principalmente quando ele me foi apresentado e eu ficava a imaginar se aquele alvoroço de barriga e coração também habitava ou tinha habitado a beleza da mãe.
Havia algumas provas de que talvez antes de nós, de que talvez antes da casa, de que talvez antes das dificuldades, de que talvez antes dos dias tão cheios de tudo e tão vazios da mulher que era já só mãe. A nossa.
As fotografias mostravam a mãe antes de nós. Nova, sempre bela, a mini saia, a pele tão branca e os cabelos tão negros. A mãe abraçada ao pai, a mãe a beijar o pai. O dia do casamento, o vestido longo e o véu ainda maior. Uma felicidade antes de nós e, sim, estava lá o amor ainda antes de ser cantado pelo Júlio Iglésias, ainda antes de ser contado pelas fotonovelas.
Depois esse amor primordial deu lugar à vida, às vidas que se foram somando àquele casal feliz das fotografias. As vidas que fizeram do amor novo amor, e que, talvez também, tivessem trazido o sentido da saudade de um outro tempo de sonhos intactos e não corrompidos, o sentido de que a vida tem formas de nos afastar de nós, o sentido de que, apesar de tudo, vale a pena estar vivo e fazer viver.
A mãe fez 80 anos e é ainda tão bonita. Tão bonita que só pode ser por amor, nem que seja pelo nosso amor por ela.
A mãe continua a fazer as minhas amigas dizerem que é bela. E, tal como a menina que levava ao colégio, ainda sinto orgulho da beleza da mãe.
A mãe fez 80 anos. A mãe é cada vez mais bela, porque a vida, além de rugas, deixa por fora os dias que foram vividos por dentro.
Parabéns, mãe!