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Artigo de Opinião

Psicóloga Clínica

28/01/2021 08:06

Vemos pedidos desesperados de profissionais de saúde, com relatos impressionantes das vivências que os marcarão para toda a vida, das vidas que têm nas mãos (as que chegam até eles) e que não conseguem salvar, que não conseguem aliviar. Aqueles doentes que têm família, aqueles que, um dia, podem ser um dos seus. Mas, infelizmente, não podem fazer muito e o que fazem, já além das suas forças, é essencial para salvar vidas ou confortar aquelas que não se podem salvar.

Temos visto o caos à porta do Serviço de Urgências de alguns hospitais. Filas de ambulâncias com horas de espera, com doentes, alguns deles, que não têm esse tempo. O sentimento de impotência dos profissionais é imenso, mas nada mais podem fazer, pois já estão muito além dos seus limites.

Entretanto, fora desses cenários de catástrofe, há muitos que se julgam imunes ao vírus, com a falsa sensação de que "só acontece aos outros", ou então "é só para os mais velhos ou doentes que o vírus pode ser fatal". Mas esses mais velhos e/ou doentes podem ser um dos seus…e nem param para refletir sobre isso. Insensatez revestida de egoísmo.

Os dias passam e os números não enganam, nem, muito menos, são animadores. Mas é pena, pois só se vêm os números, as estatísticas. E aos números (de mortos) parece que já se criou uma "imunidade de grupo", são "só" mais 200, 250… e por aí fora. Mas cada número tem um rosto, um nome, família. Cada número tem uma história de vida, partilhada com aqueles para quem esse número agora são só memórias de tempos passados. Memórias essas agora toldadas pelo sofrimento, pela angústia, pela falta de um último abraço (abraços… que tanto nos fazem falta!…), pela falta de uma despedida, pela falta de uma digna homenagem, pois os tempos não o permitem.

Como se faz um processo de luto sem uma despedida? Como é possível dar significado a essas mortes? Como é possível aceitar algo que não se vê nem se compreende? Como viver num mundo onde um ente querido já não existe mais? Como lidar com um sofrimento que ultrapassa as defesas do psiquismo? Como expressar uma dor envolta em raiva e resignação?
Acredito que, dentro de pouco tempo, o que agora é apenas reação dará lugar a um processo de luto complicado, traumático, pela incapacidade de se dizer "Adeus" e pelas circunstâncias em que acontecem estas mortes.

Acredito que, dentro de alguns anos, muitos destes processos de luto ainda não terão chegado à aceitação de quem morreu não volta mais. Acredito que seja necessária uma intervenção psicoterapêutica para ressignificar a vida, podendo dar continuidade à mesma, sem o pesar e a angústia do sofrimento causados pela perda.

Acredito que o mundo, tal como o conhecemos, não será o mesmo. Mas acredito também na resiliência de cada um de nós, na capacidade de adaptação e ajustamento a uma realidade diferente. Acredito que alguma coisa iremos aprender destes tempos caóticos. E quero acreditar que usaremos essa aprendizagem para valorizarmos mais a vida, valorizarmos mais cada momento que passamos com as pessoas que amamos, valorizarmos quem cuida de nós, mesmo depois de todos os limites ultrapassados. Acredito na humanidade e que alguma lição vamos reter para o futuro.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
19/12/2024 08:00

O final de cada ano traz consigo um momento único de reflexão, um convite à pausa no tumulto dos dias para revisitar memórias recentes, reconhecer as dádivas...

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