Mãe e filho vestiram roupas de tecido grosseiro, beberam café de mistura e comeram pão preto com manteiga e depois saíram de casa e tomaram rumos diferentes no escuro da antemanhã fria que cobria a serra.
O miúdo subiu a vereda até à estrada principal e a seguir avançou para oeste até chegar à escola onde frequentava a quarta classe e pelo caminho foi sempre a pensar que a mãe estava muito doente, tossia muito e cuspia sangue e ia morrer em breve, sim a mãe ia morrer e ele ficaria sozinho no mundo, mas também acreditava que a mãe iria transformar-se num anjo para o proteger, sim, ele tinha a certeza disso, a mãe seria o seu anjo da guarda e ela avançou para baixo com uma foice ao ombro e uma lanterna na mão, uma lata de metal tosco na outra e foi ter ao palheiro para ordenhar a vaca, num ritual semelhante ao do vizinho, que inevitavelmente iria encontrar naquele dia, como todos os dias desde a morte do seu marido.
– Maria.
Ela estava a abrir o cadeado e não olhou para trás, pois sabia muito bem quem a chamava e também sabia porquê, mas diria não, como sempre diria não, não, não e ele insistia, ele suplicava, ele implorava.
– Maria.
Ela entrou no palheiro e o homem encostou-se na ombreira da porta e disse:
– Eles têm razão quando dizem que és a mulher mais bonita que Deus pôs no mundo.
E ela respondeu:
– Não chames Deus para dentro do palheiro.
E depois disse:
– Vai-te embora.
E ficou triste e ficou a pensar que estava quase a morrer, sim, ela ia morrer em breve e o filho ficaria sozinho, o seu filho tão pequeno e frágil ficaria sozinho no mundo, mas ela haveria de se transformar num anjo para o proteger e salvar de todos os prejuízos, sim, ela seria o seu anjo da guarda e nada de mal roçaria jamais a pele do seu querido filho, nem a pele nem o coração nem a alma, ela tinha a certeza absoluta disso, ela seria o seu anjo da guarda até à hora da sua morte.
O homem permaneceu quieto na ombreira da porta e tudo parou e a única coisa que se ouvia era a respiração da vaca, como se essa fosse também a respiração da terra, a respiração do planeta, a respiração do universo e ele pensou que amava a vida, sim, ele amava fervorosamente a vida, mas também pensou que a vida que amava não era a vida que vivia e, de repente, quis morrer e transformar-se num anjo para nunca mais sentir nada, nada, nada.
Virou-se e foi-se embora e quando chegou a casa encontrou a sua mulher de casamento, muito mais velha e sem beleza, mas cheia de força e saúde e que se dedica a ele com profunda paixão, com a mesma paixão que a vida e a morte dedicam a todos os seres vivos e é ela quem desfruta do seu corpo magro, seco e rijo, é ela quem consome os seus ataques de fúria e os excessos de amor, é ela quem sofre com as suas fantasias e nunca faz perguntas, nunca diz nada, nunca se queixa porque tem medo de o perder, simplesmente tem medo da solidão.
– Vem – disse-lhe nessa noite.
E disse-o sabendo que ele não estava ali, disse-o sabendo que ele estava em espírito na casa do lado e pôs-se nua, outra vez nua, sempre com esperança de o ver descobrir em si um vestígio de beleza, qualquer coisa mínima, um brilho escondido no fundo da carne, qualquer coisa que o fizesse esquecer a outra, mas não há beleza possível naquele corpo, beleza nenhuma e, no entanto, ela ama-o perdidamente e chora quando ele se põe em cima e treme de prazer, treme de dor porque não o quer perder nunca, nunca, nunca.
Às vezes o homem está desesperado e bate-lhe como um louco e depois, tomando consciência dos seus atos, cai debruçado aos seus pés como um desgraçado, não para lhe pedir desculpa, mas para se assegurar da sua presença, do seu corpo assim velho e feio, assim mesmo, para amparar nele a sua solidão, para continuar vivo e ela recebe-o, sim, ela recebe-o como sempre, ela afaga-lhe a cabeça com carinho e pensa que, por isso, quando morrer há de ser um anjo na vida eterna.