Para a democracia e para a justiça social não há nada mais determinante do que a educação dos cidadãos. Os hábitos de pensamento que são incutidos às crianças e jovens durante os anos em que frequentam as escolas vão acompanhá-los durante toda a sua vida, sendo o momento em que aprendem a fazer perguntas, a duvidar, a imaginar a sua atuação futura, a criar cenários hipotéticos, a relacionar conhecimentos, a encontrar pessoas que não são iguais, a perspetivar o mundo não apenas como tendo as fronteiras do quintal de casa, a encarar o grupo a que pertencem como um lugar heterogéneo e a ter consciência da ciência como base da justiça social.
Ou não... Porque para isso necessitam de adquirir uma educação que se baseie na formação e não apenas na escala do ranking, no fazer bem agora, sem uma verdadeira consolidação dos conhecimentos e sem uma perspetiva multidisciplinar, sistemática e inter-relacional. A correr ansiosos de exame em exame, com professores que se esforçam por esquecer que lutam contra anos de desprestígio – constantemente empurrados de reforma curricular em reforma curricular, de nova exigência para nova exigência –, numa escola que não se consegue adaptar ao novo século que corre à sua frente e teima em a deixar cada dia mais obsoleta, numa sociedade de desvalorização do saber, da memória, do brio a favor do espetáculo fátuo, o que se pode pedir aos que entram nos portões dos estabelecimentos de ensino?
E os resultados estão aí, sem surpresa: o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) disponibilizou as conclusões nacionais a que se chegaram a partir das provas de aferição do ensino básico de 2024 dos 2.º, 5.º e 8º. Anos - “decréscimo sistemático de qualidade de aprendizagens”; “aprendizagens consideravelmente menos consolidadas”; decréscimo das aprendizagens “no domínio da leitura e, em geral, nas competências recetivas (compreensão)”; “sistemático decréscimo de qualidade das aprendizagens, independentemente do ano” na Matemática e Ciências Naturais. É catastrófico. Mas, a nossa preocupação está centrada nas contratações futebolísticas e no último “fait-divers”. Além disso, ninguém faz a ligação entre o uso sempre maior, e às vezes quase exclusivo, dos manuais digitais, à hecatombe dos resultados do 5.º e 8.º anos no que toca à leitura, à expressão escrita e à compreensão. A Suécia e os países nórdicos fizeram-no e soaram os alarmes. E nós?
Na semana que passou o governo australiano tomou uma medida radical: a proibição do acesso às redes sociais aos menores de 16 anos, independentemente do consentimento dos pais, alegando efeitos negativos na saúde mental e física, o impacto negativo na autoestima e imagem corporal, a divulgação de conteúdos violentos, misóginos e racistas promovidos pelas redes sociais, especialmente destinados aos rapazes, e a influência de “influencers” que fazem crer que o sucesso provém das marcas, da ignorância, do exagero. O que tem isto a ver com os resultados na educação? Tem tudo, porque vai tudo ter ao epicentro da mudança e da garantia da democracia que é a escola e na tutela que temos de ter em relação às novas gerações.
Ter durante anos desvalorizado o professor como o transmissor do saber, atraindo para a profissão quem não consegue ser engenheiro, médico ou economista, deixando que as redes sejam o alimento das almas, tendo aplicado a ótica de mercado às escolas, adotando instrumentos digitais sem reflexão e método, desvalorizando o sacrifício, o brio e a memória, fizemos dos alunos consumidores de conhecimentos curtos e fugazes como um vídeo das redes sociais.
As elites vão se salvar, mais atentas, com poder de compra de uma educação menos massificada e com a responsabilidade de fornecer pelo que recebe na caixa, mas a maioria não. E vamos sofrer todos como sociedade e as crianças e jovens de hoje vão compreender o destino a que os estamos a votar no futuro, quando o futuro lhes for adverso. Se continuarmos a olhar para a educação como a consciência efémera das coisas, sem consolidação dos conhecimentos, sem os relacionar e sem dar a devida importância ao saber, podemos vir a ter a geração com um diploma que é a geração mais impreparada de sempre e a menos democrática, porque mais incauta.