Este, é o título de um livro que também intitulou uma exposição sobre algumas prisões portuguesas, da autoria de Nuno Antunes e que recentemente me foi oferecido por uma amiga, que trabalha no universo prisional há cerca de três décadas, enquanto técnica superior de reinserção, e cujo título não poderia deixar de replicar para este artigo.
Por razões académicas, tenho depreendido, ainda que de forma sobretudo subjetiva, o universo penitenciário vivido por milhares de pessoas, no nosso país – pessoas que incluem não só as que estão privadas de liberdade por decisão do sistema judicial, mas também as que lá trabalham, que acabam também por as habitar... Na verdade, uma prisão pode ser (é?) um lugar de “prisões”, como vinca Catarina Frois num seu livro com o mesmo título, resultado de um estudo feito por si em quatro estabelecimentos prisionais (EP) portugueses, durante três anos. O título “prisões” não se refere concretamente aos EP, mas sim às múltiplas prisões que se encerram naqueles lugares: a dos reclusos e a dos profissionais destas instituições. O seu estudo debruçou-se sobretudo pela caracterização destes lugares que não podem ser alvo de indiferença, e pela descrição de testemunhos de homens e mulheres que os habitam, reclusos e reclusas e... também de guardas prisionais, técnicos de reinserção e educação, direções, etc. – também eles habitantes e “reclusos” de um universo que se pretende regenerador e de defesa de cada um dos cidadãos que lá habitam e, por conseguinte, de toda a sociedade.
Consultando a Lei, parecem-me claros os princípios (e propósitos) da reclusão (ou da execução de penas como se inscrever no diploma) que poderia resumir como a procura de, tanto quanto possível, a normalização destes espaços como extensões da vida em sociedade extramuros- sim, porque o facto de se estar recluso não destitui ninguém de dignidade humana, nem da sua cidadania, nem dos seus plenos direitos de cidadania onde se incluem a educação e a saúde. Ou seja, estes lugares habitados por pessoas devem aproximá-las das condições de vida em comunidade, também pela sua formação profissional (ou académica-(“Quem abre uma escola fecha uma prisão”), pela criação e incentivo ao trabalho e por múltiplos programas lúdicos, didáticos e terapêuticos que confiram a estas pessoas novas ou outras motivações pessoais e sociais, amenizando o custo da própria pena, tornando-a mesmo num tempo e processo útil quer para o recluso quer para a comunidade.
Foucault referia-se, num seu livro, sem propor outras soluções ou alternativas, às prisões como “perigosas e inúteis”, admitindo, porém, que são “soluções das quais não conseguimos abrir mão”. Mas ainda acrescenta, filosoficamente, “que maior privação pode ser infligida a alguém que retirar-lhe tempo de vida útil”? E a própria Liberdade, acrescento eu...
Na verdade, as prisões que idealmente deveriam ser locais de reinserção social por definição, nem sempre dissuadem os infratores da criminalidade nem da recaída no crime, após libertação. E poder-se-ia apontar responsabilidades particulares – que as há- por esta situação que é foco de intranquilidade social – desde políticas a tutelares que não asseguram (não conseguem...?) os necessários recursos para a agilização da reinserção destas pessoas na sociedade, sobretudo os recursos humanos que escasseiam nas prisões portuguesas e nos serviços de reinserção e de acolhimento social. Pelo contrário, estes serviços confrontam-se com uma engrenagem sobretudo técnica e burocrática, com falhas e degradação nas suas infraestruturas e com uma falta gritante de contratações de pessoal, sobretudo especializado (docentes, psicólogos e outros prestadores de cuidados de saúde, técnicos de reinserção, etc) , privando, na privação já inerente desta condição, estas pessoas da possibilidade “regenerativa” de si mesmas e da criação de estratégias e programas que no futuro possam pelo menos contribuir para a sua reintegração na sociedade. As prisões não podem ser depósitos de pessoas sujeitas a privações e a um “tempo inútil” - têm de ser criados e aplicados planos e múltiplas estratégias para a sua reinserção social e para a travagem do fenómeno de “porta giratória” das prisões.
A função das prisões (e são tantas as prisões dentro das prisões...) é, deve ser, uma função reabilitadora e de pacificação, humanizando o espaço e o tempo de punição.
Mas, sim, para tal é preciso que para além da sensibilidade tutelar, que os responsáveis governativos se comprometam a investir nestes “espaços habitados” por reclusos e profissionais, com as verbas necessárias para fazer face a esta complexa, e difícil, gestão que é a do parque prisional, no nosso país.