Não estamos condenados se apostarmos (se continuarmos a apostar) no turismo como um dos eixos centrais da estratégia económica, percebendo a transversalidade da aposta, potenciadora de intervenção em matérias que vão do ambiente e sustentabilidade à saúde, das infraestruturas à cultura, passando pelos transportes, pela formação, pela agricultura, pela valorização dos elementos diferenciadores e por muitas outras.
O ponto de partida não nos condena se formos capazes de apostar em instrumentos de diferenciação fiscal. Uma alteração da Lei das Finanças Regionais e, eventualmente, da Constituição, que nos permita uma maior autonomia fiscal e que nos dê maior possibilidade de utilizar a fiscalidade como instrumento de desenvolvimento e de captação de receitas, deve ser encarada como um dos objetivos centrais da legislatura que agora começa. A discussão terá como palco a Assembleia da República e, estando o PS "liberto" das amarras do PCP e do BE, tem a especial responsabilidade de apoiar a Região nesta demanda. Deixo aqui uma nota: a ideia de um sistema fiscal próprio é interessante, mas nunca poderá ser tomada de ânimo leve, uma vez que as regras da EU, confirmadas por jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, fazem coincidir a autonomia fiscal com a autonomia financeira. Resumidamente, uma região pode ter uma fiscalidade diferente do estado onde se insere, desde que deixe de receber transferências do orçamento central. O Centro Internacional de Negócios é vital e tem de romper desconfianças nacionais. Deve voltar a ter a possibilidade de captar empresas o mais rapidamente possível e, especialmente, deve ter o apoio claro do estado na negociação do próximo regime, em Bruxelas.
Voltando ao ponto de partida, há um terceiro eixo para o desenvolvimento económico no qual a Madeira tem feito progressos notáveis, a economia do conhecimento. Hoje, a descontinuidade geográfica pode ser minimizada pelas tecnologias de informação e de comunicação. A aposta no conhecimento, nas novas tecnologias, na inovação, no empreendedorismo, na digitalização é vital e deve continuar a ser prosseguida, através da Universidade da Madeira (que deve ter mais meios para dar seguimento e aprofundar muito do trabalho que vem sendo feito); através de instrumentos fiscais (que não sendo centrais, poderão ser interessantes e aqui voltamos ao ponto anterior e ao CINM); através da atração de trabalhadores remotos (o programa digital nomads foi, reconhecidamente, um sucesso); através da melhoria dos serviços de Internet (o cabo submarino vai certamente contribuir para isso); através da aposta em centros de experimentação e de testagem e em aceleradores de empresas; sendo criativos na procura de fundos de investimento; através da requalificação profissional. O caminho está traçado.
Um quarto eixo que me parece interessante é o da economia azul. O Registo Internacional de Navios é uma ponte para a indústria global do shipping que, conjugada com o CINM - sendo dele parte integrante e sendo esse o caminho mais correto - pode contribuir para a criação de um cluster ligado à indústria marítima, à semelhança daquilo que acontece no Chipre. Tenhamos os instrumentos para atrair empresas internacionais que possam, a partir da Região, trabalhar nas áreas de operações e de shipmanagement, por exemplo.
O mar, contudo, não se esgota nos navios e a aposta numa economia azul, sustentável, está perfeitamente ligada quer ao turismo, quer à economia do conhecimento. O projeto de extensão da reserva natural das Selvagens é um bom exemplo.
Não nos podemos esquecer de uma coisa: o mundo está a mudar ferozmente e os conflitos no leste da Europa, assim como a expansão da China, voltarão a dar, ao Atlântico Norte, a centralidade que parecia irremediavelmente perdida. Portugal beneficiará com isso e, consequentemente, a Madeira.
Tendo começado com um lugar comum, termino com outros: a não ser que se descubra petróleo ao largo das Desertas ou uma Atlântida afundada, plena de ouro e marfim, não estou a ver de que forma a estratégia de desenvolvimento económico da Madeira possa fugir aos eixos centrais turismo-fiscalidade-economia do conhecimento-economia azul e a todas as ligações entre eles sendo que, muitas vezes, o segredo está em perceber exatamente as ligações e o seu peso, de forma a que a aposta num dos eixos não signifique a minimização de outro. Um constante jogo de equilíbrios.