A minha mãe gostava muito de plantas e penso que como a maioria das mulheres madeirenses da sua geração gostava de ter no quintal, por mais pequeno que fosse, um ou vários exemplares de cada espécie. Nas visitas entre vizinhas ou parentes eram frequentes os comentários enquanto se deslocavam lentamente sobre o empedrado de calhaus redondos que pavimentavam a maioria dos nossos jardins.
— Este ano as minhas orquídeas estão atrasadas, deram hastes mirradas. Não sei porquê.
— Ah! Mas aquela chuva de ouro, ali, está um encanto.
Frases deste tipo integravam os diálogos a que me habituei, bem como os pedidos de uma soca, um galhinho ou um pezinho de qualquer coisa que, no final, a visitante levava consigo. E com estas trocas se cimentavam amizades. Desde cedo, ouvi falar em ciclâmenes, dendróbios, cinerárias, violetas, dálias, açucenas, primorosas, gipsofilas ou delfinus, sem saber exatamente quais eram quais. Todas coabitavam lá em casa. Contudo, não lhes dava grande importância. Gostava de as ver e achava-as mais ou menos bonitas, mas não sentia o apelo para delas cuidar e não partilhava o entusiasmo materno. Para a minha mãe não havia maior deleite e dedicava todo o seu tempo livre a cuidar, mondar, podar, enxertar, passar para a sombra ou expor ao sol as várias espécies que colecionava. A sua grande parceira era a vizinha da frente, também ela apaixonada e cuidadora do seu jardim. Ambas se especializavam em técnicas de reprodução e enxertia de roseiras com o intuito de conseguirem obter florações de cores belas e incomuns. Rosas vermelhas, brancas, amarelas, cor de fogo, rosa chá e até exemplares únicos como a que a vizinha carinhosamente denominou de rosa Sílvia, nome da sua filha.
As flores faziam parte de vários momentos da minha vida alguns, confesso, que muito me contrariavam. Por exemplo, quando a minha mãe, pela manhã, descobria uma haste fresca ou uma rosa em botão e preparava um ramalhete para que eu oferecesse à professora. Tímida, como era, ficava toda inibida para entrar na sala de aula de flor em riste. Sorria constrangida perante o agradecimento da docente, achando-me imerecedora, pois levara a flor de má vontade e apenas por obediência à autoridade materna. Desagrado semelhante me invadia em dia de procissão quando tinha de levar uma flor branca, geralmente uma açucena, para oferecer a Nossa Senhora. Para mim, era tão só um incómodo e não acreditava que a flor acrescentasse qualquer prazer à santa.
Outras iniciativas florais eram bem mais agradáveis. Uma boa memória que guardo é a do mimo que recebia em dia de aniversário. Como faço anos em tempo de férias, já o sol ia alto quando saía da cama. Mal assomava à porta da cozinha, a minha mãe recebia-me entoando uma canção, cujo som esqueci, mas que começava com a frase: "Viva quem hoje faz anos" e, com um abraço, levava-me até à mesa para o pequeno-almoço preparado com preceito e fazia-me sentar numa cadeira por ela enfeitada com flores do quintal acabadas de colher. E era naquele trono engalanado que me sentava para a primeira refeição e para todas as daquele dia.
Não me lembro quando ou porquê se perdeu esta tradição da cadeira de aniversário. Talvez apenas porque crescemos, ou talvez porque a minha mãe acabou por aceitar a ideia do meu pai que achava errado destruir as flores com tais futilidades e que muito mais belo era observá-las bem vivas no jardim.