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Artigo de Opinião

12/02/2021 16:42

Mal me aprontei, antes ainda do meu café da manhã para acordar completamente, fui buscar o livro. Abri-o e deixei-me encantar, uma vez mais, e pela milésima vez, com as suas palavras. É assim que começa o Principezinho: "Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, "Histórias Vividas", uma imponente gravura. Representava ela uma jibóia que engolia uma fera. Dizia o livro: "As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão." Reflecti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho. Mostrei a minha obra prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo. Respondera-me: "Por que é que um chapéu faria medo?" Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jibóia digerindo um elefante. Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações. As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar a toda a hora explicando. Tive pois de escolher uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Voei, por assim dizer, por todo o mundo. E a geografia, é claro, me serviu de muito. Sabia distinguir, num relance, a China e o Arizona. É muito útil, quando se está perdido na noite. Tive assim, no decorrer da vida, muitos contactos com muita gente séria. Vivi muito no meio das pessoas grandes. Vi-as muito de perto. Isso não melhorou, de modo algum, a minha antiga opinião. Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: "É um chapéu". Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável».

E agora aqui estou eu a pensar, como sói dizer-se, de mim para comigo, neste mundo em que vivemos e temos morada. Um mundo onde quantas e quantas vezes a incompreensão, a intolerância, o fanatismo e a intransigência não permitem vislumbrar a realidade. Não permitem ver, como no conto de Exupéry, a diferença entre um chapéu e uma jibóia que engoliu uma fera.

Só para terminar, um pensamento do autor do Principezinho. Para reflectirmos sobre as diferenças que descortinamos quando olhamos uma jibóia e um chapéu, ou da importância de falar de jibóias e florestas virgens, ou falar de golfe, de política, de gravata.

«Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa».

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