Tive o prazer de participar no 23º episódio deste programa, cujo convite agradeço. A gravação ocorreu em Janeiro, e preparei, como solicitado pela produção, a minha playlist, ou seja, a lista das canções da minha vida. Curiosamente, a elaboração desta lista personalizada de canções (baseada nas preferências e recordações musicais) é, por outras palavras, a nossa história ou anamnese musical, exatamente a mesma lista, que é realizada durante a 1ª sessão de avaliação em musicoterapia, com o objetivo de conhecer a identidade sonoro-musical do paciente.
De facto, as músicas relevantes da nossa vida, estão associadas a pessoas, datas, lugares e eventos, e têm impacto pelas memórias que evocam, e emoções que provocam (positivas ou negativas). É natural e expectável preferirmos ouvir canções que nos evocam recordações positivas, mas também pode dar-se o caso de ouvirmos, inesperadamente, e fora do nosso controlo e vontade, uma música que reaviva acontecimentos dolorosos da nossa história. Por exemplo, se eu ouvir a canção "Candle in the Wind" de Elton John, lembro-me da morte trágica da Princesa Diana, falecida no mesmo dia do meu avô materno, a 31 de agosto de 1997.
A audição das músicas da nossa preferência produz efeitos terapêuticos, e pode ser utilizada em contexto individual e hospitalar. Individualmente, no nosso dia-a-dia, podemos ouvir a nossa playlist com vários benefícios. Enumero alguns: 1) nível físico - alívio da dor como áudio-analgésico e como hipnótico para combater a insónia; 2) nível psíquico - regulação emocional, relaxamento e promoção do bem-estar, transformando o nosso estado de ânimo; 3) nível social - fator de coesão e identidade grupal; 4) espiritual - como inspiração e motivação que nos eleva e transmuta.
Em contexto hospitalar, a música de preferência ou familiar, incluída nas intervenções de musicoterapia ou música-medicina, pode ser aplicada de várias formas, das quais destaco: 1) como "música ambiente" para proporcionar uma atmosfera familiar, previsível, com diminuição do desconforto e medo; 2) como analgesia no trabalho de parto, pós-operatório ou durante a realização de procedimentos invasivos e tratamentos oncológicos (quimioterapia e radioterapia); 3) como ferramenta de reabilitação neurológica no AVC; 4) como sedativo nos pacientes internados em unidades de cuidados intensivos (UCI).
A música familiar é também um estímulo poderoso nos indivíduos com doença de Alzheimer, dado que a memória musical é a última a ser afetada nesta doença. Quem não se lembra do vídeo viral, comovente, da bailarina espanhola Marta Cinta, internada num lar de idosos, que ao ouvir a música do compositor Tchaikovsky relembrou a coreografia que tinha feito para o "Lago dos Cisnes" como primeira bailarina em Nova Iorque?
Em conclusão, ouvir as músicas que mais gostamos pelo prazer que nos proporcionam é um comportamento de autocuidado e preservação. Se ainda não fez, crie a lista das músicas da sua vida e consuma-as. A vida é um álbum de canções!