É uma infâmia para a Autonomia e Democracia assistirmos, com inaudita regularidade e no curto espaço de oito meses, a duas mega e aparatosas operações da Polícia Judiciária, na Madeira, resultando em várias detenções e apreensão de provas em larga escala.
As suspeitas do Ministério Público, no conjunto das duas investigações, incidem sobre participação económica em negócios, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder, tráfico de influência e financiamento partidário ilícito.
No “olho deste furacão”, o suspeito do costume: o PSD, agitando-se de novo as suspeitas de existência de uma vasta rede clientelar, enredada, fortalecida e a prosperar ao longo destes 48 anos de poder de um só partido, amparado por CDS, PAN e Chega, enquanto a maioria do povo continua a contar tostões, ouvindo notícias de desvios de milhões.
Por este caminho, a Madeira parece aproximar-se de um outro recorde, o de se tornar a Região do País com o maior número de arguidos políticos per capita, tendo na liderança, precisamente, o presidente do Governo Regional, o vice-presidente da Assembleia Legislativa, autarcas e ex-governantes. Ninguém pode esconder a vergonha e o apoucar da dignidade dos madeirenses e porto-santenses provocados por estes tristes e lamentáveis episódios.
É consabido que a mera suspeita de corrupção mina a credibilidade das instituições democráticas e contribui para a erosão da confiança dos cidadãos no regime democrático. Suavizar, branquear e manipular os casos de corrupção também contribui para alimentar e engrossar o fenómeno.
Nem de propósito, veio a insuspeita Fundação Francisco Manuel dos Santos publicar, há 15 dias, o resultado do barómetro “O que pensam os portugueses sobre a corrupção”. A conclusão do estudo é assustadora e constitui um alerta vigoroso à classe política e aos titulares de cargos públicos: 90% dos portugueses, ou seja, nove em cada dez, consideram “um dos problemas mais graves que o país enfrenta”, anotou uma das coordenadoras do barómetro, Susana Coroado.
Aqui reside um dos primeiros equívocos entre a perceção irrefutável que os portugueses têm sobre o flagelo da corrupção e a retórica de alguns titulares de cargos públicos, sempre muito lestos a colocar em causa a legitimidade das investigações com os préstimos indisfarçáveis de alguma comunicação social subserviente.
Fica a ideia de que o objetivo da descredibilização e da desinformação resulta da necessidade de ambos os lados assegurarem a continuidade dos seus interesses, ainda que a alegada falta de honestidade na vida pública e má conduta ética de quem governa fiquem em completo descrédito aos olhos dos portugueses do Continente, da Madeira e dos Açores, de acordo com o referido estudo.
É preciso ir até David Bicknell Truman (1913-2003), académico norte-americano, para desconstruir outro equívoco: em democracia, os representantes políticos não devem julgar em causa própria o que é ou não é uma conduta aceitável no exercício das suas funções. Para cada cargo de poder existem normas que definem e balizam o que se espera desses cargos - postulou nas suas reflexões.
O consenso que tem vindo a fazer caminho, nos últimos anos, mas do qual poucos falam, por conveniência, é o de que no exercício de um cargo político, a falta de integridade na vida pública não pode ser definida apenas como uma conduta ou prática que viola a lei, mas também a violação dos padrões legais e sociais.
Para os que gastam todo o tempo a apontar senões a cada investigação judicial que surge perante o crime que mais contribui para o empobrecimento económico, social, cultural e civilizacional de uma região, fica o conselho de Friedrich Nietzsche: “A vida é uma fonte de alegria, mas onde bebe a canalha, todas as fontes estão envenenadas” - “Assim Falava Zaratustra”.