MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professor

26/08/2024 01:00

A festa dos fachos, na noite do Sábado do Senhor, em Machico, nunca foi causa de incêndio preocupante nas encostas do vale. Quem conhece e vive a tradição sabe bem porquê. Não se trata de zonas florestais. As escarpas são limpas de vegetação e preparadas para o evento. Os participantes, na maioria jovens, são treinados, experientes e responsáveis. E tudo é vigiado de perto pelo corpo dos bombeiros locais. As bolas de fogo ardem presas em redes de arame. Sempre foi assim. Sem problemas. É a festa, a tradição.

Mas desta vez, os fachos foram mais do que isso. Foram polémica também. Porque quando uma desgraça se abate sobre a população, todos querem meter a colher na sopa que não sabem cozinhar. Primeiro, os políticos, do governo e da oposição que, misturando alhos com bugalhos, nas suas aparições mediáticas, instados por perguntas surpresa às quais não sabem responder, sentenciam o que lhes parece ser a resposta esperada pelos aflitos em chamas. “Não, os fachos de Machico não podem acender”, foi o veredicto dos que nada percebem do assunto. Políticos, figuras públicas, partidos, defensores da natureza e dos animais e até responsáveis pela proteção civil. Fustigados pelo fogo dos incêndios e pela fúria da opinião pública, nada mais simples do que dizer que o melhor é ninguém atear uma fogueira, acender um isqueiro ou fazer um churrasco. Mesmo que seja no outro lado da ilha.

Estamos a criar brigadas de cidadãos exagerados, dominados pelo medo, que fica apavorados sempre que qualquer ocorrência parece fugir ao controle das autoridades responsáveis. Ninguém escapa ao dedo acusador dum povo assustado. O mesmo povo que pouco liga ao meio ambiente, que só se lembra da floresta para fazer piqueniques no verão ou quando tudo parece estar em chamas. Numa ilha onde, devido ao crescimento económico, se abandonou os cabeços, os lombos, as achadas, as fajãs, as encostas, para viver comodamente nos centros urbanos, deixando um coberto de matagal pronto para ignição. E a culpa não é só das autoridades.

Das faíscas da política, nada se poderia esperar de diferente. É sempre a mesma cantilena. Cada vez que se abate uma desgraça sobre a Região, as autoridades atestam que tudo fizeram pelo melhor, a oposição contesta, protesta, acusa, aproveita o momento político, e garante que faria muito melhor. Mas o que mais impressiona é ver os comportamentos tribais nas redes sociais. É aqui que se vê de que massa intelectual e comportamental é composta grande parte da nossa sociedade.

Melhor dizendo, franjas da sociedade que procura as redes sociais para despejar parte do seu verdadeiro ser. Talvez por ignorância, talvez por medo. Medo do que não sabe, do que não controla. Pavor de lhes faltar a proteção individual a que julgam ter supremo direito. Por isso, a culpa é sempre das autoridades, é sempre do outro. A voz acusadora das redes sociais mostra uma guarda pretoriana medrosa, controladora das liberdades dos outros. Foi assim na pandemia, quando ninguém podia sair à rua, nem para comprar tabaco. É assim nesta desgraça dos incêndios, ao quererem proibir a realização duma velha e pacífica tradição.

Houve ainda quem falasse de solidariedade, mas, como se sabe, o conceito de solidariedade, que deveria ser entre seres humanos, tem, hoje, e para alguns, conotações estranhas. Por isso, a Câmara Municipal de Machico fez muito bem em não abdicar da realização dos fachos. Esses sim, iluminaram a noite de festa, presos nas redes, outras redes. Verdadeiras redes de aço e arame.

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