Chega de brincar à política, disse ontem, por palavras semelhantes, o presidente da Câmara da Calheta. E disse bem.
Carlos Teles interpretou o sentir da Madeira profunda. Falou em nome do povo.
Daquele povo que não desfila nas passadeiras dos poderes.
Daquela gente anónima que vive do seu trabalho e dispensa a estratégia política.
Daqueles que apenas reivindicam alguma ordem social.
Dos que fazem pela sua vida e esperam que a política, se não puder ajudar, pelo menos não atrapalhe.
Daquele povo que foi chamado a votos em setembro do ano passado, em março, em maio e em junho deste ano.
Agora, que os votos foram distribuídos e que os eleitores disseram o que pensam, cabe aos políticos criar soluções para um problema que já não está nas mãos dos eleitores.
Cabe aos políticos resolver a crise política. Criar pontes de entendimento. Ceder, se for o caso. E essa capacidade aplica-se ao Poder e às Oposições.
Isto de ameaçar devolver a palavra aos cidadãos sempre que os problemas são mais complexos parece uma forma da classe política se desresponsabilizar. É como acontece com os referendos: quando o problema é intrincado, os políticos optam pelo referendo, que é uma maneira de mandar para cima do povo, outra vez, uma decisão que eles não querem assumir.
E apetece perguntar: para que servem os políticos?
Mas voltemos a esta crise que nos atrasa a cada dia que passa. E não são poucos dias. Não são semanas. São já vários meses em que andamos nisto. E isto não é bom.
Na verdade, este tempo estranho veio com a pandemia. Fizemos aí um longo intervalo na vida. A Madeira fechou, as ruas e as empresas também.
Depois veio a retoma. Os turistas vieram em magotes que encheram aviões, barcos, carros, miradouros, veredas, hotéis e restaurantes.
Mas veio a crise política que trouxe uma travagem a fundo. Continuamos a ter turistas, hotéis e restaurantes cheios. Só que a economia é mais do que isso. Precisa de estabilidade mínima. Carece de condições de governabilidade, de um Programa de Governo, de um Orçamento, de ferramentas para as instituições, as empresas e os cidadãos saberem com o que podem contar.
Estamos longe disso. Um mês depois das eleições, continuamos como estávamos em fevereiro.
Apesar da urgência em fazer a Madeira seguir em frente, assiste-se a jogos de bastidores. A garantias dadas e rasgadas como se fossem declarações de crianças. Só que envolvem gente grande.
Neste quadro, fica difícil compreender como podem ter sido assumidos compromissos de governabilidade que foram anulados no dia a seguir às eleições europeias. E é aqui que reside o problema. Se da parte dos dois maiores partidos da oposição ficou claro que não haveria cedências, parece evidente que só o Chega assumiu perante o representante da República que não seria obstáculo, o que daria maioria suficiente para segurar o Governo.
Em duas semanas, tudo ruiu novamente. E o Chega, que não seria obstáculo, volta à narrativa anterior de expulsar o líder do partido que ganhou as eleições.
É uma estratégia, mas o que ganha a Madeira com isso? Nada. A não ser mais um tempo sem Governo definido, sem Programa, sem Orçamento.
Voltamos assim a mais um longo intervalo num capítulo que importa encerrar rapidamente. Chega!