Chegou a hora de começar a fazer o balanço de uma experiência que está a chegar ao fim, tal como me propus quando cheguei à Câmara Municipal do Funchal. Recordo o ano de 2013. Iniciei uma experiência política absolutamente nova. Aos 57 anos entrei num projeto político com pessoas que não se conheciam, que passou por discutir o que é uma Cidade e o que se pretendia para ela. Andámos na rua em campanha e esse período ajudou a trazer ao de cima o que cada um de nós tinha de melhor.
Fui convidada para antepenúltima, de uma lista de onze pessoas. Desde o início que sabia que aquele nunca seria um lugar de entrada no executivo municipal. Gosto de utopias e de lutar por elas. Adoro os processos. Muito mais do que os resultados concretos. "Pelo sonho é que vamos", escreveu Sebastião da Gama. E eu identifico-me com esta ideia. Talvez por isso adore a minha profissão. Permite-me manter o olhar no futuro, trabalhando com pessoas muito jovens, que têm os seus próprios sonhos e a quem eu tento ajudar a acreditarem em si próprias e a perceberem que, seja qual for o seu talento, encontrarão sempre alguém para quem são especiais e que poderão fazer a diferença na sua própria vida ou na de outras pessoas.
Por questões conhecidas, no dia 29 de maio de 2014 fui chamada a entrar no executivo municipal. Foi um toque a rebate que me fez estrear nas lides autárquicas logo num dia de reunião de câmara. Lembro-me do choque que tive no meu último dia de aulas e do nó que não me saía da garganta. Lembro-me de ter pensado que não podia recusar entrar, pois tinha-me comprometido com um projeto político em que acreditava.
Ao olhar para trás, confesso que tenho adorado a experiência autárquica. Não esqueço uma conversa que tive na campanha eleitoral. Dizia-me uma senhora que os políticos depois de entrarem nunca querem sair. E lembro-me de lhe ter dito: se eu entrar, ficarei no máximo dois mandatos, porque 4 anos é pouco para vermos os projetos crescerem e oito é suficiente para isso. Depois devemos dar lugar a outros, para não corrermos o risco de estagnar ou de achar que somos algo de extraordinário. Em 2021 estou nesta fase de saída, com o sentimento do dever cumprido. Consegui ajudar a construir uma cidade que se importa com as pessoas e que tem implementado instrumentos que ajudam a fazer a diferença.
Foram-me atribuídos pelouros que normalmente ninguém reconhece. Em política, acha-se que o alcatrão e o betão é que são importantes, desvalorizando-se tudo o que seja imaterial e que não tenha resultados a curto prazo. Foi muito bom poder trabalhar em áreas a que ninguém dava importância quase nenhuma: igualdade de género, educação, desenvolvimento e coesão social. Mais tarde veio a cultura. Pude ficar na sombra com as equipas que lidero e desenvolver trabalho que passou a ter visibilidade e até a ser referência. Não é arrogância. É um facto. Ainda na semana passada, estivemos a ser entrevistadas pela coordenadora de um projeto do CIEG, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.
Chegada que estou ao fim do meu segundo mandato, cumpro o meu compromisso com quem me elegeu, saindo ao fim de quase 8 anos. E é com grande orgulho que olho para trás. É igualmente com muita vontade que volto à minha escola: simplesmente professora. Já tenho saudades, apesar de ter conhecido tanta gente interessante e corajosa. Sinto que esta profissão me ajudou a olhar a Cidade com lentes de humanidade e de futuro. Sem esperar reconhecimento público ou visibilidade diária. Tal como o fazem todos os professores e professoras diariamente.
*Sebastião da Gama