Cada primavera traz o concurso nacional da canção, no qual é selecionada a que há de representar o país no Festival da Eurovisão. A escolha desperta sempre discussões sobre qual a melhor, ou seja, aquela que nos parece ter mais probabilidades de conquistar os ouvidos dos jurados internacionais. Como é normal, as opiniões são divergentes e as reações inflamadas abundantes. Apurado o resultado, acompanhamos o percurso do nosso representante com descrença, temperada com um clarãozito de esperança na vitória que, por uma vez, em 2017, vimos manter-se aceso com Salvador Sobral e AMAR PELOS DOIS (Luísa Sobral).
No ano seguinte, voltámos às antigas discussões: se a música deve ser uma balada dolente ou ter um ritmo animado; se deve, ou não, conter referências à musicalidade nacional, com apontamentos de fado ou outro timbre popular; se a letra deve falar de amor, de alguma causa de entre as várias que nos preocupam e fraturam, ou versar uma trivialidade qualquer que apenas divirta; se a sua apresentação em palco há de ser sóbria ou envolvida em excentricidades e espalhafatos e, por fim, se deve ser interpretada em português ou em inglês.
De facto, é com desalento que reconhecemos que poucos entenderão os belos poemas em que se enlaçam muitas das músicas portuguesas a concurso. Um contratempo que seria ultrapassado, se recorrêssemos a outro idioma, defendem uns, logo contrariados por outros que, orgulhosos da nossa lusofonia, se recusam a abdicar dela. Ao longo dos anos houve algumas tentativas de aproximação a outras línguas, usando palavras estrangeiras no refrão, como em 2006 com COISAS DE NADA/GONNA A MAKE YOU DANCE, pelas Nonstop, ou a tentativa mais internacional de José Cid, em 1980 com UM GRANDE AMOR (Tozé Brito), cujo estribilho canta: Addio, adieu, aufwiedersehen, goodbye /Amore, amour, meine Liebe, love of my life. Este ano, 2021, pela primeira vez, a canção LOVE IS ON YOUR SIDE, pela voz de Tatanka, foi assumidamente em inglês, estratégia que também não nos levou para o topo da tabela. E, considerando a posição obtida pela canção britânica (zero pontos), temos que concluir que a língua, não é o fator determinante.
Temos, por fim, o formato das votações, o que também muito questionamos. Não obstante, as várias alterações que tem sofrido ao longo do tempo, sempre vislumbramos nelas simpatias, ditadas por questões de vizinhança geográfica, culturais, políticas ou outras e não pelas características da música ou da interpretação. Foi, aliás, como forma de protesto contra a forma de votação que, em 1970, Portugal se recusou a participar no Festival da Eurovisão, ficando o vencedor nacional desse ano, o madeirense Sérgio Borges*, com a canção ONDE VAIS RIO QUE EU CANTO (c. Nóbrega e Sousa e Joaquim Pedro Gonçalves), impossibilitado de cantar em Amesterdão.
Coincidência diversa — desta vez a pandemia da Covid-19 — impediria, em 2020, a nossa conterrânea Maria Elisa Silva de representar Portugal, em Roterdão, com MEDO DE SENTIR (Marta carvalho). Diria algum enguiço da ilha, não fora a fulgurante SENHORA DO MAR (Carlos Coelho e André Babic), interpretada pela Vânia Fernandes, em 2008, na Sérvia.
Acho que vamos continuar a discutir e a enfrentar o desânimo, mas também a compor, a cantar, interpretar e sonhar, em cada ano, animados pela ideia que o mais importante é mesmo a alegria de participar.
*Na edição de 1966, Sérgio Borges participara no festival RTP da canção, ficando em 2.º lugar com NUNCA DIREI ADEUS (António Freitas e Joaquim Gomes), sendo a vencedora desse ano Madalena Iglésias com ELE E Ela (Carlos Canelhas e João Luís).