Fecho os olhos. Oiço Yasmine Hamdan. Sou transportado para o norte de África. Num bar com chá de menta, chiças e ritmos árabes. Vejo a população a ouvir a Yasmine. Cativada, pela presença dela em palco. Fico a observar, com um mirone.
Um mirone que anda a viajar pelo mundo. Um mirone que tenta absorver todos os costumes, que tenta compreender um mundo.
Um mirone que se acha mais esperto que os outros, um mirone que se sente com superioridade moral em relação aos outros.
Um mirone preocupado com o que vê, com o que acha do mundo, e o futuro dele. Genocídios a acontecer, com o patrocínio de quem sempre achou que estaria do lado certo da história, alguém com quem partilhava a superioridade moral. Esse alguém que caminha rapidamente para um abismo, como o transito infernal de Tunes. Os patrocinadores cumprem o seu desígnio de aceleradores do homicídio coletivo da humanidade, agora de mão dada com quem lutaram contra no passado, num género de regresso a uma guerra nada fria.
Mas a este mirone só resta observar. É um problema dos mirones. A observação é feita da maneira mais cuidadosa, o plano de ação nunca é elaborado e a revolta é sempre suprimida.
A voz, como o sino da Mesquita de Tunes, é ouvida religiosamente, quando é entoada, mas não alberga a mesma fé que a Mesquita.
A religião do mirone é obscura. Não apregoa a fé nem fala em crenças, não é uma religião. É a partilha de um senso que se crê comum, um senso que foi há muito perdido por palavras e que atualmente desvanece-se num pensamento. Mas como um bom mirone, este crê na observação.
Na observação de uma divisão cada vez maior no mundo em seu redor. Canais noticiosos raivosos, vozes cada vez mais exaltadas, a impunidade...
Impunidade de palavras e acções, disfarçadas sobre o falso moralismo de liberdade de expressão, a sina que tomarão de conta os genocidas, a bíblia que foi retomada, aquela do início do século passado, o eterno problema da religião.
A crença dos abutres, a crença dos hienas. A religião, quer a minha, a do mirone, quer a sua, aquela que você crê ser a correta, a certeira. A crença é o início do fim, a crença cega de podermos distinguir o bem e o mal. Do “meu bem, do “meu mal”, da “minha certeza”. Um mirone, graças à sua maior virtude, a observação, percebe os atuantes dos cinzentos que envolvem o mundo que o rodeia, e abraça a beleza dos cinzentos num mundo em que o preto e o branco querem transformar em cinzas.
Um mirone, é um erudita, um pensador, um filósofo. É quem julga em silêncio, é quem escreve os pensamentos, é quem relata a história, é quem cria, pelo meio das suas observações, o sentido crítico que ataca o mundo. É daí que ressalta a sua superioridade moral, é na conjugação das observações, dos pensamentos e do resultado dos mesmos.
A mais mirones, a menos crenças, a mais pensamento e a mais observação.