MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professora Universitária

8/02/2021 08:00

A toda a volta, uma grande fita com sinais colados a proibir a entrada. Chovia e a paisagem de árvores à volta do parque, nuas, como fantasmas escuros a garantir os limites, parecia a recordação de um outro tempo. Do confinamento, vai-me ficar como imagem o parque interdito às crianças. Nem sei bem onde era, porque o vi da janela da carruagem onde viajava. Numa viagem de 30 minutos, tinham já passado três pessoas a pedir dinheiro.

Vou olhar para trás um dia e ver o parque e os olhos de um jovem que disse que precisava de uma moeda, pensei. Estranhos tempos, em que a dor e a falta de esperança substituiram os cantares à janela, o vamos-ficar-bem. Na televisão, as mesmas imagens, repetidas, notícias de um minuto estendidas para durar meia hora com comentadores que assustam, que criticam, que procuram falhas, inimigos, que se arvoram conhecedores de verdades que não se podem conhecer, porque os especialistas já disseram que estamos a correr atrás do vírus e ele se está a modificar à nossa frente, imprevisível.

Talvez por cansaço, fala-se demais. A comunicação alimenta-se com discursos de raios e coriscos, vaticinadores da queda dos governantes, dos coordenadores, dos diretores. E, depois, os profetas cheios de nada que se alimentam da má formação, da ausência de memória e do ódio, como o líder da extrema direita, querubim de certa comunicação social, que enche esta semana seis páginas do semanário "Sol". E os que denunciam, que dizem que sabem e não sabem, como a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, arvorada em justiceira, em processos de linchamento público.

Vem-me à mente um poema de Gregório de Matos: "A cada canto um grande conselheiro,/Que nos quer governar cabana e vinha;/ Não sabem governar sua cozinha,/ E podem governar o mundo inteiro./ Em cada porta um bem frequente olheiro,/Que a vida do vizinho e da vizinha/ Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,/ Para o levar à praça e ao terreiro." Palavras do século XVII a provar que continuamos, afinal, sempre tão iguais como sociedade.

A pobreza e solidão envergonhadas dos olhos do jovem da carruagem nada tem a ver com os discursos de quem sabe tudo sobre a emergência sanitária. Lembra o aumento do número de pequenos operadores económicos e famílias em dificuldade, o crescimento do abuso de drogas químicas compradas a preço baixo na net e espalhadas pelas ruas, o abuso do álcool, das apostas na internet, o aumento da violência no seio da família, os sem abrigo que se arrastam pelas cidades, as desigualdades sempre mais vincadas, as patologias que não se tratam, porque os hospitais estão cheios e não se tem dinheiro para recorrer ao privado.

O drama Covid é também este. A que se junta a criminalidade, a do desespero, que leva aos assaltos, e a do vandalismo, alimentado pelos discursos de violência e ódio para com o que é coisa nossa, pública, como as paragens de autocarro partidas e os equipamentos da Câmara destruídos. O Presidente do Governo desvaloriza, talvez porque o seu partido votou contra a Polícia Municipal, que faria agora tanta diferença. No afã de obstruir políticas da governação da Câmara, grandes conselheiros "Não sabem governar sua cozinha,/E podem governar o mundo inteiro." Mas, a política não deve, neste momento, esquecer que é serviço. Não deve adotar o tom dos comentadores ávidos de palco ou de certos bastonários sedentos de poder ou de certos políticos embevecidos com coligações que os servem a eles e não ao povo. A política deve ser a que olha para os parques vazios e para os olhos que querem desistir e não a política da "praça e do terreiro". Deve ser a que compreende que a emergência sanitária é também emergência social, mental, e cooperar com todos, de todas as cores, para servir os que têm também todas as cores. Talvez, assim, na primavera, alguém possa tirar a fita do parque.

Luísa Antunes escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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