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Artigo de Opinião

Cônsul Honorária de Cabo Verde na Madeira

30/12/2025 03:30

Vivemos tempos de interligações invisíveis. Na era digital, falamos de nuvens e redes como se fossem abstrações etéreas, esquecendo-nos de que o mundo depende, na verdade, de algo bem físico: os cabos submarinos que atravessam os oceanos, ligando continentes, economias e pessoas. A tecnologia mais avançada do nosso quotidiano assenta, paradoxalmente, em infraestruturas que percorrem os fundos marinhos, ligando a América, a Europa e a África através de uma teia global quase impercetível.

Nesse vasto mapa de conexões, a Madeira ocupa um ponto estratégico. Situada no coração do Atlântico, esta ilha — tal como as suas irmãs da Macaronésia — é mais do que um destino turístico deslumbrante. É um ponto de amarração vital para os cabos submarinos que sustentam a comunicação global. As suas coordenadas geográficas conferem-lhe um papel de protagonista num enredo que cruza dados, mercados e vozes humanas.

Mas o que significa ser um ponto de amarração em termos simbólicos e estratégicos? Num mundo de fluxos constantes, ser um ponto de fixação é deter o poder de sustentar, de ligar e de assegurar estabilidade. A Madeira não é apenas um elo na cadeia digital; é um porto seguro no meio do Atlântico, uma âncora que mantém o equilíbrio de um sistema cuja importância só notamos quando falha.

Se a Internet é vista como uma abstração quase divina, é preciso recordar que mais de 95% do tráfego mundial de dados depende de cabos submarinos. E é aqui que as ilhas da Macaronésia — Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde — voltam a emergir como vértices fundamentais desta estrutura global. A sua localização torna-as não só observadores privilegiados das correntes marítimas como também guardiãs dos fluxos digitais que moldam o século XXI.

Contudo, essa posição estratégica também atrai atenções. Nos últimos, foram registados movimentos de navios de diferentes bandeiras nas proximidades dos pontos de amarração dos cabos submarinos na zona marítima adjacente à Madeira, cujas finalidades permanecem oficialmente desconhecidas. Embora não exista legislação internacional que proíba a aproximação a estas infraestruturas em águas internacionais, a presença recorrente destes navios realça a vulnerabilidade e a importância da sua proteção. Os cabos submarinos são tão cruciais quanto frágeis, requerendo vigilância constante para prevenir potenciais riscos de interrupção ou interferência.

Historicamente, as ilhas foram sempre pontos de reabastecimento e portos de abrigo. Hoje, esse papel mantém-se, ainda que sob uma nova forma. Os cabos submarinos que cruzam os nossos mares trazem consigo não apenas tecnologia, mas a promessa de desenvolvimento económico, conectividade e relevância geopolítica. Garantir que a Madeira continua a ser uma paragem obrigatória para esses cabos significa assegurar o seu futuro como um centro de inovação e conhecimento no Atlântico.

Para os madeirenses, esta realidade é mais do que uma curiosidade tecnológica.

Representa uma oportunidade e uma responsabilidade. A existência desses cabos exige proteção, investimento e uma visão estratégica que projete a Madeira para além dos seus limites insulares. Exige um olhar que compreenda o valor de cada ponto de amarração — físico ou simbólico — no vasto oceano da globalização.

Ser uma ilha é estar cercado por águas que nos ligam ao mundo. É perceber que as rotas do passado ainda existem, embora revestidas de cabos que transportam o novo ouro: a informação. Neste imenso mar de interdependências, que o futuro continue a encontrar na Madeira não apenas um ponto de passagem, mas um porto seguro onde o progresso se ancora e se renova.

Susana Gramilho escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.

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